Existe uma onda de autoproclamados “gurus” de mercado financeiro que ostentam carros importados, viagens caras e roupas de marca com o intuito de captar mais seguidores e potenciais compradores de curso de como obter aquele estilo de vida através do mercado financeiro. Mas a parte que que ninguém conta é: esses gurus ficaram ricos vendendo cursos de como ficar rico. Simples assim.
A forma como esses “gurus” vendem o mercado financeiro é muito diferente da realidade do dia-a-dia do mercado, das melhores práticas adotadas por quem realmente faz dinheiro e dos players que passaram na prova do tempo e hoje são referência no que fazem (e que, ao contrário dos gurus de rede social, fazem questão de passar longe dos holofotes). Talvez, por isso mesmo, o grande público não conheça a nova moda da Faria Lima: factor investing.
Bem, na verdade não é uma “moda” e nem é tão “nova” assim. As pesquisas sobre o tema começaram há décadas, mas só nos últimos anos passou a ser oferecido em escala ao grande público brasileiro fundos e ETFs geridos via factor investing.
Factor Investing Para Leigos
A ideia é bem simples: ao invés do tradicional stock picking, em que as ações das empresas são analisadas individualmente (seja via análise técnica ou análise fundamentalista) e dali se obtém um preço-alvo e um call de compra ou venda, o factor investing foca na escolha de fatores (e não de empresas).
E o que são fatores? Grosso modo, são características específicas que podem influenciar o retorno de ativos.
Os fatores de investimento capturam características que vão além do risco de mercado geral (como, por exemplo, o risco do Ibovespa ou do S&P500) e ajudam a explicar por que determinados ativos ou estratégias têm um desempenho superior ou inferior ao mercado em diferentes períodos.
Alguns fatores estão associados a retornos positivos no longo prazo (os "prêmios de risco") – e conhecendo os prêmios de risco, é possível combinar ativos e compor portfólios diversificados, com boa relação de risco x retorno para o investidor
A ideia subjacente de factor investing é que esses fatores persistem ao longo do tempo e podem ser usados para explicar uma parte significativa dos retornos de um ativo. Ao direcionar sistematicamente uma carteira para ativos com exposição a fatores desejados, os investidores visam capturar um excesso de retorno atrelado ao fator.
Factor investing pode ser implementado por meio de várias abordagens, como a construção de portfólios com base em índices ponderados por fatores, usando ETFs baseados em fatores ou por meio de estratégias de gestão ativa que se concentram em fatores específicos.
Origens Gringas
A evidência para essa forma de gestão de ativos veio com o seminal "Common Risk Factors in the Returns on Stocks and Bonds", publicado em 1993 por Eugene Fama e Kenneth French (FF93). O objetivo do trabalho era identificar os fatores de risco sistemáticos que influenciavam os retornos de ações e títulos, e acabou sendo o início de uma longa e contínua pesquisa nos fatores (características) que influenciam no preço dos ativos.
Naquele trabalho de 1993 de Fama e French, foi analisado uma série longa de retorno de ações e títulos dos EUA e proposto três fatores de risco como determinantes fundamentais do retorno de ações: (i) fator de mercado, (ii) fator de tamanho e (iii) fator de valor. Em resumo, esses fatores ajudavam a projetar o preço dos ativos.
O fator de “Mercado” era conhecido na época do FF93: capturava a diferença de retorno entre os ativos em relação ao retorno do mercado como um todo (medido pelo índice de mercado como S&P500 ou Ibovespa, por exemplo), refletindo o prêmio de risco associado a investimentos em ações em relação a investimentos de renda fixa (T-Bills ou CDI, respectivamente). No modelo CAPM, só há um fator: o risco de mercado.
E(Ri) = Rf+i*[E(Rmkt) - Rf]
CAPM: Você já deveria estar careca de ver isso aqui.
O fator de “Tamanho” (Size, SMB), também chamado de “Risco de Tamanho” mede a diferença de retorno entre empresas de grande e pequena capitalização de mercado. Esse fator refere-se ao fenômeno observado empiricamente de que as ações de média e pequena capitalização – com uma capitalização de mercado entre US$ 2 bilhões e US$ 10 bilhões, e menos de US$ 2 bilhões, respectivamente – geralmente superam as ações de grande capitalização, que têm uma capitalização total de mais de US$ 10 bilhões no mercado americano.
O fator “Valor” (Value, HML) baseia-se na diferença de retorno entre empresas com valores de mercado baixos em relação aos seus fundamentos (valor contábil, por exemplo) e empresas com valores de mercado mais altos. O estudo revelou que ações consideradas mais baratas em termos de valuation têm um desempenho superior às ações consideradas mais caras.
Os 3 fatores levam ao famoso modelo Fama-French de 3 fatores:
E(Ri) = Rf+i,mkt*[E(Rmkt) - Rf]+i,SMB*SMB+i,SMB*SMB
FF3F: é parecido, mas é fundamentalmente diferente do CAPM
Depois do Fama-French de 3 Fatores, veio o de 5 Fatores ainda.
O Zoológico dos Fatores
Nos trabalhos posteriores, “descobriram” muitos outros fatores, que hoje contabiliza-se na casa das centenas. Quase um zoológico. Um zoológico de fatores.
Dentre as centenas de fatores que ajudam a explicar o retorno de ativos, outros famosos são:
-Momentum: Reflete a tendência de que ativos que tiveram um bom desempenho no passado recente continuem a ter um desempenho positivo no futuro próximo. Isso significa que ações ou outros ativos que estão em alta tendem a continuar subindo, enquanto aqueles que estão em baixa podem continuar em declínio.
-Low-Vol: Identifica ativos com menor volatilidade ou flutuações de preço em relação ao mercado em geral. Esses ativos são considerados mais estáveis e podem ter um desempenho melhor em períodos de volatilidade elevada.
-Quality: Enfatiza características de qualidade, como baixo endividamento, altos índices de lucratividade, estabilidade dos ganhos ou eficiência operacional. Ativos de alta qualidade tendem a ter um desempenho superior.
-Dividend Yield: O fator de rendimento de dividendos concentra-se em ações que oferecem rendimentos de dividendos mais altos. Isso sugere que as ações com alto rendimento de dividendos podem fornecer retornos e receitas atraentes.
-Growth: O fator de crescimento enfatiza ações com altas taxas de crescimento de ganhos, taxas de crescimento de vendas ou outras métricas de crescimento. Isso sugere que as empresas com fortes perspectivas de crescimento tendem a ter um desempenho superior às demais.
Evolução dos fatores de risco no mercado americano (fonte: BlackRock)
Dentre os animais desse zoológico de fatores, Momentum e Low-Vol têm se mostrado como fatores importantes especialmente no mercado brasileiro.
Caçando e Adestrando Esses Animais
Já deve ter ficado clara a ideia aqui: procurar características que ajudem a explicar o retorno dos ativos e identificar a forma como os papéis se (cor)relacionam com essas características. Mas como?
Primeiro de tudo: uma investigação dos fatores. Mencionamos acima o zoológico de fatores e a quantidade grande de características que podem explicar o excesso de retorno de ações. Aqui, o investidor define quais e quantos fatores serão analisados no processo de investimento. Nessa decisão, processos estatísticos podem ser utilizados como backtesting, por exemplo.
Depois, a construção dos sinais de investimento: analisa-se os dados de empresas e do mercado a fim de calcular o valor dos fatores e precificar ativos/grupo de ativos, decidindo-se pela composição ideal do portfólio (levando em conta o limite de risco definido).
Por fim, de forma simplificada, a gestão de risco e otimização: uma vez montado portfólio,é preciso monitorar liquidez, concentração, volatilidade da carteira e correlação entre os fatores.
Falando assim, até parece simples…
Alguns Poréns e Avanços
Tudo muito lindo, tudo muito bem, porém: alguns estudos apontam que o estudo de FF93 e outros estudos sobre fatores não são replicáveis ou tem os resultados significativamente alterados quando mudamos a série de dados. Além disso, alguns estudiosos apontam que o Factor Zoo é, na verdade, um problema de regressão espúria.
Por isso mesmo, o campo está inovando em duas áreas: o uso de novas abordagens de modelagem estatística e o uso de conjuntos de dados alternativos.
Os conjuntos alternativos de dados têm o potencial de fornecer novos sinais e fontes de informação. Processamento de linguagem natural, aprendizado de máquina, modelos não lineares, computação em nuvem e análise textual foram implantados para capturar novas ideias de investimento, conteúdo e temas. Por exemplo, são comuns novos conjuntos de dados com formatos atípicos, como texto, áudio e vídeo obtidos de mídias sociais.
Em seguida, na agenda do fator está o desenvolvimento de expertise com dados não estruturados encontrados em relatórios de notícias, análises de produtos, anúncios de empregos, registros regulatórios, transcrições de chamadas, imagens de satélite e assim por diante.
Tudo isso tem afetado o processo de alocação de ativos, abrindo novas ideias e temas de investimento. O mais interessante é que esse é um processo vivo e que está ocorrendo nesse momento. O futuro? Só Deus sabe. Qualquer comentário mais profundo é um exercício de futurologia que nós deixamos com os especialistas no tema
Boaaaa,
Mando bem de mais, tapa na cara dos gurus !
Outliers, vendedor de curso.