Sejam bem-vindos a mais uma Carta do Condado, a encíclica favorita da Faria Lima, que entretém, diverte e ensina aos mais interessados em entender essa figura escatológica chamada "mercado financeiro".
Bem, essa semana foi encerrada com um misto de soco no estômago e gosto de sangue na boca. Se a gente achava que tinha um espacinho para cortar juros na gringa e, consequentemente aqui, os dados de mercado de trabalho americano jogaram um balde de água fria (ou seria quente?).
Para "entornar o caldo", ainda tivemos nova sinalização – a bocas miúdas após uma reunião a portas fechadas – que o arcabouço fiscal de fato já bateu as botas e que daqui pra frente é só pra trás: o tal do "calabouço fiscal" tem algumas regras de execução orçamentária, que parecem que não vão ser respeitadas e o governo vai meter um "nunca nem vi" e seguir gastando acima do que permitiria a nova lei.
Ô, semaninha com gosto de sangria
Nesse imbróglio, fica o investidor mediano sem entender o que está se passando, sobretudo qual a ligação do americano conseguir encontrar trabalho com facilidade ou o arcabouço fiscal brasileiro não servir de muita coisa ter derrubado a bolsa. Mas, calma: a Carta do Condado desse final de semana vai resolver seus problemas. Pega o café e ouve a aula.
Contabilidade 101
Quando o governo gasta mais do que recebe, ele tem quatro formas de fechar as contas:
1. Cortar gasto (tá essa parte é chata e impossível, vamos pular);
2. Aumentar a receita (impostos, principalmente, mas também privatizações, por exemplo. O caixa é rei até para o Estado);
3. Tomar um financiamento (geralmente via emissão de dívida, chamando você para ser sócio dele comprando seus títulos públicos); ou
4. Emitir mais dinheiro (vantagens de ser governo, sinto muito por você).
Desde que o Brasil é Brasil, quase sempre gastamos mais do que recebemos. A bucha do fiscal é tão grande que isso já rendeu revolta popular e até decapitação (já ouviu a história de Tiradentes? Não é à toa que existe a expressão "quinto dos infernos").
Para complicar mais ainda essa matemática do fiscal, o orçamento brasileiro conta com mais uma “jabuticaba”, que são os gastos obrigatórios: os gastos que, por lei (alguns inclusive anotados na Constituição), o governo é obrigado a realizar (com educação, saúde, e previdência, por exemplo). Discutir as particularidades ou benefícios destes gastos obrigatórios está fora do escopo dessa carta, e hoje vamos falar da contabilidade fiscal e dos mecanismos de como o governo faz para fechar as contas e como isso pode afetar sua vida e, principalmente, seu bolso.
Com esse orçamento engessado, a “margem de manobra” fiscal acaba sendo muito pequena, e quando o governo tem que fazer algum corte no orçamento - quando faz - quem sofre são os chamados gastos discricionários (o adjetivo é de compreensão imediata), principalmente os gastos com investimentos.
Como quase todas as discussões sobre orçamento passam pelo Congresso Nacional, e corte de gastos nunca são uma medida popular, as soluções mais “fáceis” sempre foram o aumento da carga tributária e a emissão de dívida.
Mas, como já dizia o mestre Chorão, “cada escolha, uma renúncia, isso é a vida”: o aumento da carga tributária (aumento de impostos) acaba pesando a mão sobre a atividade produtiva, encarecendo os bens e tendo impactos ambíguos sobre o emprego. Obviamente pela facilidade de se criar um novo imposto (seja direto ou indireto) é muito maior do que a maldade de cortar gastos e parecer malvadão para a sociedade. Sim, políticos pensam assim.
Emitir dívida, no final, acaba sendo uma solução mais “sorrateira”, já que a geração atual recebe apenas os benefícios (receita das emissões), enquanto que seus impactos só vão ser sentidos no futuro (conforme o governo vai pagando os juros) - ou seja, é um conflito de gerações, com o risco de penhorar o futuro das próximas. Emitir dívida, porém, também depende do bom humor de quem compra os papeis da dívida, e é isso que temos visto por esses dias… Já percebeu que sua carteira de títulos públicos se desvalorizou nos últimos dias?
A última das possibilidades, emissão monetária (pintar papel-moeda, girar a maquininha, imprimir dinheiro, dinheirinho do banco imobiliário, chame como quiser) para o financiamento dos gastos públicos, segundo a nossa legislação, está vetada no Brasil.
Quem emite moeda é o Banco Central, e depois de muitos estudos meticulosos sobre a origem das hiperinflações, descobriram uma forte ligação entre desajuste fiscal e hiperinflação. Um desses estudos foi conduzido por ele, a lenda: Gustavo Franco, um dos pais fundadores da moeda brasileira atual. Não por acaso, a criação do Plano Real, que controlou a hiperinflação brasileira, que já durava anos, foi atrelada a uma reforma fiscal.
Inflação: Um Passado Glorioso (Só Que Não)
O Plano Real foi parte das reformas estruturantes que o Brasil implementou no início da década de 90, que deu estabilidade à moeda, mantendo o poder de compra da população e estabilizando a economia, que vinha há décadas convivendo com hiperinflação.
Aliado ao Plano, outros instrumentos foram estabelecidos, no chamado “Tripé Macroeconômico”: meta de inflação, câmbio flutuante e metas fiscais. As duas primeiras tarefas ficaram a cargo do BC (responsável pela política monetária e cambial), enquanto que a segunda ficou a cargo do Ministério da Fazenda/Economia (responsável pela política fiscal).
Ocorre que, desde a crise de 2008, o Brasil usou sua política fiscal para evitar uma queda significativa da atividade econômica. Com isso, cada vez mais foi ficando difícil fechar as contas, e mais e mais recorremos à emissão de dívida. Com o agravante de que quando o grupo político em poder entende que mais gasto se reflete em mais popularidade, os incentivos de uma política fiscal restritiva, são ainda menores.
Um dos termômetros da meta fiscal é o superávit primário, que é simplesmente a diferença entre o que o governo arrecada menos o que ele gasta (sem contar o gasto com juros da dívida). Se o superávit é positivo, indica que a dívida não vai aumentar, grosso modo.
O arcabouço fiscal foi uma maneira que o atual governo achou para equilibrar os gastos e manter a disciplina fiscal. Porém, constantemente foi questionada a capacidade de seguir as regras e manter as contas em dia. As notícias que saíram na sexta-feira confirmaram as suspeitas que existiam até então: o arcabouço está "xôxo, capenga, manco, anêmico, frágil e inconsistente".
Consequência? O governo vai ter dificuldade em fechar as contas. A ideia é mais ou menos assim: “se o governo não consegue nem atingir a meta fiscal descontado os juros, como que então ele vai ME pagar os juros dos títulos que tenho?”. Esse “alerta” é repassado para a estrutura a termo da curva de juros, mas isso fica para a próxima carta…
E por que isso importa tanto para o mercado brasileiro? Bem, se você lembrar das últimas cartas, vai lembrar que enquanto a Bolsa brasileira abocanha cerca de R$ 3 trilhões da poupança privada existente (tanto doméstica quanto estrangeira), o governo abocanha R$ 6 trilhões dessa poupança privada através dos títulos públicos, concorrentes da renda variável. Além de aumentar as incertezas quanto à capacidade de pagamento de juros desses papéis, ainda tem a concorrência que a renda fixa (que não é fixa) faz com a renda variável. Resultado? Bolsa pra baixo.
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