A década de 60 foi uma década de grandes transformações sociais: movimento pelos direitos civis nos EUA, corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética, ascensão de movimentos revolucionários e contrarrevolucionários ao redor do mundo. Tudo isso ao som de Beatles e Rolling Stones. No campo das Finanças, também ocorria uma revolução silenciosa, que começara uma década antes e floresceu na década de 60.
Na década de 1950, o ambiente acadêmico e de pesquisa em finanças estava em plena transformação. A recém-formada escola de Economia e Finanças da Universidade de Chicago, conhecida por suas abordagens quantitativas, iniciava uma revolução na maneira como os mercados e investimentos eram entendidos. Até então, os estudos de finanças se baseavam mais na análise fundamental e nas práticas de mercado sem uma estrutura teórica consolidada.
Universidade de Chicago: lar de parte relevante da teoria moderna em Finanças
Nesse contexto, teorias inovadoras surgiram para preencher essa lacuna: a Teoria Moderna de Portfólios, introduzida por Harry Markowitz em 1952, foi um marco que começou a sistematizar o relacionamento entre risco e retorno, mostrando que o risco de um ativo não deveria ser analisado isoladamente, mas sim em relação ao portfólio como um todo. Esse movimento criava o terreno fértil para o desenvolvimento do Capital Asset Pricing Model (CAPM), nos anos 1960, por Jack Treynor, William Sharpe, John Lintner e Jan Mossin.
O Surgimento do CAPM: História e Curiosidades
A partir das bases da Teoria Moderna de Portfólios, William Sharpe e outros pesquisadores se dedicaram a integrar o conceito de risco sistemático – o risco de mercado que afeta todos os ativos – em uma única fórmula que explicasse o retorno esperado de um ativo. Com o CAPM, foi possível descrever a relação entre o risco e o retorno de forma direta e intuitiva, trazendo uma nova clareza para investidores e acadêmicos.
Curiosamente, Bill Sharpe de início foi cético em relação ao desenvolvimento de um modelo simples para o mercado. Seu mentor, Harry Markowitz, acreditava que a precificação dos ativos poderia ser mais complexa. No entanto, Sharpe encontrou no conceito de beta uma forma prática de traduzir o risco sistemático. A simplicidade do CAPM acabou por ajudar a ele no reconhecimento para a trajetória ao Prêmio Nobel em 1990.
Explicando o modelo
O modelo CAPM é bem simples, dado pela fórmula abaixo:
A fórmula significa o seguinte: o retorno esperado de um ativo (E(ri)) é dado pela taxa livre de risco (rf , que no Brasil é a Selic) mais o prêmio de risco de mercado (E(rM)-rf) multiplicado pela sensibilidade do ativo i às mudanças no mercado (i, o famoso "beta" do ativo).
O Conceito de Beta no CAPM
Esse beta mede o risco sistemático, que é o tipo de risco que afeta todo o mercado ou uma ampla classe de ativos, e não pode ser eliminado por meio de diversificação. Ele é causado por fatores externos que influenciam todos os ativos simultaneamente, como mudanças na economia, taxas de juros, inflação, eventos geopolíticos ou desastres naturais. Por essa razão, o risco sistemático é frequentemente chamado de "risco de mercado" ou "risco não diversificável".
No CAPM, o beta é um dos conceitos centrais: mede a sensibilidade de um ativo em relação às oscilações do mercado. Se o beta de uma ação é igual a 1, significa que essa ação tende a mover-se em linha com o mercado. Um beta superior a 1 indica que o ativo é mais volátil que o mercado; por exemplo, se o mercado sobe 10%, um ativo com beta de 1,5 tende a subir 15%. Em contrapartida, um beta menor que 1 sugere que o ativo é menos volátil que o mercado. Essa métrica tornou-se um parâmetro simples e intuitivo para avaliar o risco sistemático dos ativos, sendo largamente utilizada na indústria financeira para determinar retornos esperados e ajustar as carteiras de acordo com a tolerância ao risco.
Foco em Retornos Esperados: A Pergunta Principal do CAPM
Ao contrário do que muitos acreditam, o foco do CAPM não está nos preços dos ativos, mas em seus retornos esperados. Uma das maiores contribuições do CAPM é responder a uma questão essencial para investidores: "Qual é o retorno esperado se eu comprar o ativo XYZ?" Essa perspectiva permite que o CAPM seja utilizado para projetar o retorno futuro com base no risco assumido. O modelo proporciona, então, um mecanismo para estimar o retorno adequado a partir do nível de risco sistemático do ativo, ajudando a decidir se o investimento é apropriado para a carteira e a estratégia de longo prazo do investidor.
Da Sala de Aula Para Wall St: A Adoção do CAPM pela Indústria Financeira
A adoção do CAPM pela indústria financeira foi rápida e abrangente. O modelo tornou-se uma ferramenta padrão para calcular o custo de capital, avaliar projetos de investimento e estabelecer estratégias de portfólio. Na prática, a simplicidade do CAPM permitiu que analistas e gestores de fundos calculassem de forma rápida o retorno esperado de um ativo, levando em conta seu risco sistemático.
Na cultura popular, por exemplo, filmes e séries especializadas, como Billions (2013), refletem como o CAPM e o conceito de beta passaram a ser símbolos do poder e da análise financeira precisa nos anos 80 e 90. Esses filmes mostram a obsessão de Wall Street em maximizar retornos e equilibrar riscos, com cenas em que traders e analistas discutem o “beta” de ações ou mencionam o “retorno ajustado pelo risco” em reuniões frenéticas.
Billions: discutir o beta de um ativo como se discutisse se vai chover ou não
O beta, que o CAPM popularizou, se tornou uma métrica essencial: investidores de grandes fundos, como o icônico Peter Lynch, usavam o beta para ajustar portfólios inteiros com base em seu apetite ao risco e tolerância às oscilações de mercado. Este contexto reflete a enorme influência do CAPM em tornar o risco mais compreensível e aplicável a estratégias de alto impacto, tanto em Wall Street quanto no cotidiano dos investidores.
Alternativas ao CAPM: O Factor Zoo e Outros Modelos
Apesar de sua popularidade, o CAPM não ficou sem críticas. Os estudiosos notaram que ele nem sempre explica adequadamente o comportamento dos retornos dos ativos, levando ao desenvolvimento de modelos alternativos, como:
Modelo de Fama e French (1992): Adiciona ao CAPM dois novos fatores – o tamanho da empresa e o valor em relação ao seu preço de mercado (book-to-market) – para melhorar a explicação dos retornos das ações.
Modelo de Arbitrage Pricing Theory (APT): Propõe que múltiplos fatores de risco podem afetar o retorno dos ativos, indo além do risco de mercado único do CAPM.
Factor Zoo: A partir dos anos 2000, surgiram inúmeros fatores como retorno de momentum, qualidade dos lucros, volatilidade, entre outros. Esses fatores formam o que os pesquisadores chamaram de “factor zoo” devido ao grande número de variáveis e estilos que buscam explicar o comportamento dos ativos.
No entanto, o CAPM manteve sua posição central graças à simplicidade: enquanto outros modelos com múltiplos fatores oferecem maior precisão, sua complexidade pode dificultar a aplicação prática, especialmente para pequenos investidores e empresas. A simplicidade e o beta, como uma medida intuitiva do risco de mercado, são um dos maiores legados do CAPM, permitindo análises rápidas e fáceis de serem compreendidas e aplicadas.
Como o CAPM "Venceu" a Guerra dos Fatores
Com o crescimento do "factor zoo", muitos modelos tentaram superar o CAPM, mas nenhum conseguiu substituí-lo totalmente. A simplicidade do CAPM permite que gestores de ativos, empresas e investidores tenham uma medida clara e aplicável do retorno esperado, evitando o excesso de parâmetros e fatores que podem confundir e dispersar o foco. Embora o CAPM não seja perfeito, sua abordagem simplificada continua sendo amplamente útil, especialmente para avaliações rápidas de projetos e investimentos.
CAPM Para Investidor PF: Nunca Vi Nem Comi, Só Ouço Falar
Para o investidor pessoa física, o CAPM pode ser uma ferramenta poderosa. Algumas formas práticas de aplicação incluem:
Avaliação de Risco: O investidor pode verificar o beta de uma ação (disponível em diversas plataformas financeiras) para entender como essa ação reage ao mercado. Um beta alto significa maior risco, o que exige um prêmio de retorno mais alto para compensar a volatilidade.
Diversificação e Alocação de Ativos: Ao entender a relação entre risco e retorno, o investidor pode equilibrar sua carteira entre ativos de alto e baixo beta, dependendo de sua tolerância ao risco.
Comparação de Retornos: O CAPM ajuda o investidor a comparar o retorno esperado de diferentes ações, considerando seu risco. Investimentos com retorno abaixo do esperado (segundo o CAPM) podem ser evitados ou reavaliados.
Planejamento de Longo Prazo: Usando o retorno livre de risco e o prêmio de risco de mercado, o investidor pode projetar o retorno de sua carteira de ações, ajustando suas expectativas e estratégias de investimento.
O CAPM completou 60 anos e continua sendo um dos modelos mais importantes e amplamente utilizados na teoria financeira. Apesar do surgimento de alternativas e da complexidade crescente dos mercados, o CAPM permanece relevante, especialmente por sua simplicidade e praticidade. Para o investidor individual, ele oferece uma visão clara e objetiva do equilíbrio entre risco e retorno, permitindo decisões de investimento mais informadas e alinhadas com a tolerância ao risco e metas de retorno.
Depois dessa Carta do Condado, caro(a) leitor(a), considere-se pronto(a) para utilizar mais um item no seu arsenal para discussões sobre finanças: o beta do ativo.
"Novo" novo normal?
Os bancos centrais pelo mundo estão revendo as suas respectivas taxas de juros. Nos Estados Unidos, finalmente o Fed iniciou o processo de cortes. Aqui no Brasil, a gente tá em um movimento contrário: o BC deu início a um ciclo de alta da Selic.
Os juros representam ingredientes centrais na receita da economia e dos investimentos, então o que se espera daqui pra frente é uma mudança nas taxas que você tem acesso no mercado financeiro.
De crédito imobiliário ao prêmio de risco de uma debênture incentivada, tudo é impactado pela SELIC.
O último episódio do PodInvestir, podcast da Inteligência Financeira, foi uma verdadeira aula ministrada por Bruno Serra Fernandes, que até outro dia era diretor de política monetária do Banco Central (cargo que hoje é ocupado por Gabriel Galípolo -- que diga-se de passagem já foi indicado por Lula para presidir o banco central em 2025).
Muitos temas interessantes e com potencial de afetar significativamente os investimentos foram abordados:
- mercado colocou muito prêmio na ponta longa da curva de juros;
- câmbio foi a tese que menos deu certo;
- ciclo de corte de juros nos EUA e no Brasil;
e muito mais. Veja o episódio completo aqui.
A selic dita muita coisa. E se o Jerome Powell acorda de bom humor ou nao, mais ainda.