A Bíblia conta a história da origem das línguas em seu livro Gênesis: tudo começou na terra da Babilônia, onde os homens daquela geração decidiram desafiar Deus construindo uma grande torre que chegava até o céu para conhecer a Deus. Naquela época, todos falavam uma única língua.
Diz-se que o orgulho e a audácia do homem causou a ira de Deus, que decidiu separar os homens e criar mal-entendidos por meio de diferentes idiomas. Desde então, as comunidades foram se espalhando pelo mundo falando diferentes idiomas e línguas.
A multiplicidade de idiomas criou uma grande confusão entre os homens e fez com que a construção fosse interrompida, já que os seres humanos não mais se entendiam. Os homens se dispersaram e o objetivo final de Babel não foi alcançado. As escrituras sagradas trazem conhecimento: no caso, a necessidade da boa comunicação entre os homens para a realização de grandes projetos.
“The Tower of Babel” (Hans Bol, 1534-1593)
Ao que parece, porém, a globalização fez com que superássemos esse “castigo” divino: hoje o inglês nos une como língua global, propiciando o comércio, o turismo, e tudo mais que necessite da comunicação entre os diversos povos.
Junto ao inglês, veio uma contraparte financeira no processo de globalização: o dólar se estabeleceu como “língua” das transações comerciais. Em um mundo tão conectado, as trocas serem realizadas em uma mesma moeda, facilitou a vida. Babel sendo reconstruída.
Um país X que vendesse tecido para 4 países distintos e recebesse nas 4 moedas distintas dos países importadores, teria um problema ao comprar de um quinto país, o Y: ou o país Y aceitava uma das 5 moedas que o país X possuía (as 4 obtidas via comércio mais a moeda nacional do país X) ou então o país X teria que encontrar uma forma de trocar uma das 5 moedas que tinha pela moeda do país Y, a uma taxa que poderia aumentar ou reduzir os lucros do comércio que lhe rendeu aquela moeda. Por isso mesmo, ter uma moeda comum de comércio facilita a vida.
Por muito tempo, essa moeda comum foi o ouro. Mas o ouro é pesado, difícil de carregar daqui pra lá e também difícil de ficar pesando suas frações.
O ouro como moeda de comércio mundial só teve uma alternativa à altura quando a Inglaterra se tornou o “império no qual o sol nunca se põe” e a libra esterlina passou a ser adotada nas relações bilaterais da coroa britânica com os diversos países com o qual fazia comércio.
A libra esterlina reinou até o final da Segunda Guerra Mundial, que viu nascer não só os EUA como potência mundial, como o dólar americano como “língua” mundial do comércio. E, desde então, o dólar americano reina soberano como denominador mundial do comércio e das trocas bilaterais – mesmo quando os dois lados da troca não tem nada a ver com os EUA.
A vantagem de ter um denominador comum nas trocas é a liquidez e a facilidade de conversão da moeda local pela moeda internacional no comércio. A desvantagem é que, por ser uma moeda emitida por outro país, os países ficam sujeitos à impressora americana de dinheiro – e isso dá poder aos EUA.
Esse é um dos motivos que faz com que a China reivindique cada vez mais seu lugar na mesa do comércio internacional e esteja deixando de utilizar o dólar em favor de sua própria moeda nas suas transações bilaterais: depois de um grande acordo com a Rússia, de realizar as trocas entre os dois países com rublo e yuans – eliminando, assim, o dólar como intermediário – foi a vez do Brasil entrar nessa conta.
Essa semana foi noticiado que Brasil e China chegaram a um acordo de negociação para transações comerciais envolvendo as duas moedas nacionais, abandonando o dólar americano como intermediário. O acordo prevê que China e Brasil realizem suas transações comerciais e financeiras de forma direta, trocando real e yuan, e vice-versa.
Decomposição das reservas mundiais por tipo de moeda
Fonte: FMI
O acordo segue a tendência mundial de redução da moeda americana como principal moeda de reserva dos países. Estaríamos, então, destruindo a Babel, a torre financeira construída com a hegemonia do dólar como moeda dos negócios?
Ao que tudo indica, sim.
Porém, um olhar mais atento, levando em conta eventos como o anunciado essa semana no Brasil, o que parece estar ocorrendo é outra coisa: estamos tirando tijolinhos da Babel americana para a construção da Babel chinesa. Fiquemos de olho nas cenas dos próximos capítulos.
Frase da semana
Além de ir pro inferno, só tenho medo de uma coisa: juros bancários.
Millôr Fernandes
Economia e Mercado
Semana mais parada, com mercado digerindo um newsflow mais tranquilo em relação aos bancos regionais americanos e até mesmo os grandes bancos europeus. Esse é o tipo de semana, depois de uma tempestade, que o mercado gosta de utilizar para adicionar risco ao portfólio. Quem no final do ano passado falaria que o primeiro trimestre teria sido tão positivo para os mercados? Claro, não estou falando do Brasil, pois nosso mercado é irrelevante no tabuleiro global, mas falando do que realmente importa.
Daqui para frente voltaremos a olhar para os dados da economia americana e tentar antecipar se a inflação está melhorando ou não. Se não, talvez o buraco seja mais embaixo, pois estamos rumando à uma recessão e o Fed não poderá fazer muito para salvar a lavoura. Não vai jogar a corda da mesma forma como fez outras vezes. Aliás, se o fizer, realmente estamos entrando em uma era de inflação. Escolha seus cavalos.
Já a China continua bem, obrigado. Os números da reabertura são impressionados e o crescimento segue a todo vapor. Até quando? vai durar mais de um semestre? difícil dizer. No lado do minério de ferro, tudo que era bom já foi absorvido. Agora voltamos a olhar para os desafios do setor imobiliário, que segue patinando. Vai ser um ano melhor, mas nada exuberante.
E o Brasil? bom, o calabouço fiscal foi apresentado e tudo o que pudemos interpretar é que a aritmética foi reinventada ou o governo tem uma carta na manga com a carga tributária que ainda não foi apresentada. Jogos de azar, sonegação, setores novos que ainda não foram regulados, em especial dominados por estrageiros, estão na mira do Leão. Mas não se engane, há também muito produto financeiro ai dando sopa que pode virar fonte de arrecadação. O arcabouço não vai estabilizar a dívida e não vai gerar o resultado primário, de forma sustentável, necessário. Não sem custa de PIB potencial. Vamos ver. Da onde não se esperava é que realmente não saiu nada mesmo. Brasil vai continuar sendo secundário em qualquer roda de conversa séria, um lugar que merecemos com orgulho.
Excelentes considerações Daqui pra frente é tudo pra trás
Finalizado com chave de ouro "Brasil vai continuar sendo secundário em qualquer roda de conversa séria, um lugar que merecemos com orgulho"