Por dentro do Fazendão
Você, caro leitor ou leitora, que se debruça sobre esta encíclica condadense no intuito de saber mais sobre o mercado financeiro, aprofundar seus conhecimentos e, quem sabe, melhorar seus investimentos e aumentar sua riqueza: largue já este calhamaço de páginas e vá comprar seu chapéu, fivela e botinas. A verdade é uma só: a riqueza do Brasil não está na Faria Lima, mas sim nos rincões no interior desse Brasilzão. Mais especificamente nas fazendas de soja e de gado do interior do país. Ao menos, é o que disse o último relatório do IBGE e do PIB, que apontou um crescimento de 21,6% do setor no primeiro trimestre de 2023 ante o trimestre imediatamente anterior, sendo o grande motor do crescimento de 1,9% do PIB no período, uma vez que setores como a indústria apresentaram crescimento negativo.
O Agro é tudo: agropecuária puxou a atividade econômica no primeiro tri (Fonte: IBGE)
Para o desapontamento de milhares e milhares de Faria Limers, que passam dias e noites trabalhando na esperança de um bônus milionário mas quando calculam o valor da sua hora de trabalho percebem que se tivessem um botequinho (gourmet, claro) na praia ganhariam um valor similar ao que ganham de salário (com o aditivo de menos cabelos brancos, um bronzeado e um menor risco de ataque cardíaco), os dados não mentem: o agro é o celeiro de milionários e bilionários deste país.
Mas não pense que é qualquer agro, não. Aqui, a enxada é relíquia de museu e o chapéu é texano. O trator ainda tem, mas é controlado por GPS; quando tem motorista, a cabine é com ar condicionado e a direção é feita com alguns comandos na tela touch do computador de bordo. Meio milhão em um carro? Pff... Dinheiro de pinga para quem coloca meio milhão em um trator para andar na terra debaixo de um sol escaldante, e não nas vias amplas e pavimentadas do Condado (com o seguro em dia e estacionado apenas em local seguro).
E como essa maravilha, máquina de fazer dinheiro, funciona?
Bem, não é qualquer plantação ou qualquer gado. Lembre-se: o Agro é Tech.
Quando falamos em produção agrícola, não estamos falando em jogar uma semente na terra e torcer para que ela cresça uma soja ou um algodão forte e saudável. Muito pelo contrário: a safra começa muito tempo antes da colheita, nas salas de aula e nos laboratórios. Pecuária também é tech: através do cruzamento genético das melhores matrizes com os melhores touros, a cada ano o rebanho brasileiro fica mais produtivo.
Um diferencial da agropecuária de ponta brasileira é o investimento em pesquisa e desenvolvimento, o bom e velho P&D que as empresas de bens de consumo tanto investem e que muitos defendem como a força motriz do desenvolvimento de longo prazo. E aqui, o Brasil não veio a passeio: a USP é classificada como a quarta melhor no mundo na pesquisa de Ciências Agrárias e décima quarta na de Ciência Animal. Outras universidades brasileiras também jogam na primeira divisão: Unicamp, UFLA e UFV também são líderes mundiais em pesquisas no campo de agronomia e afins.
Ainda, uma estatal desponta como referência mundial: a Embrapa desempenha muito bem o papel na pesquisa agrícola e pecuária, em um modelo muito próximo ao bem sucedido modelo americano de parcerias público-privadas. É um jogo ganha-ganha: as universidades recebem dinheiro para a pesquisa e as fazendas utilizam os resultados para melhorar sua produção. Sem contar a Academia, que ganha com o conhecimento científico da parceria.
Produtividade: segundo a definição, é a variação do produto depois de descontados os efeitos da variação no uso de fatores de produção e insumos. No caso da agricultura, é produzir uma safra maior utilizando o mesmo terreno, a mesma quantidade de água e insumos (no geral, até menos água e insumos). No lado da agropecuária, consiste em criar com o mesmo regime uma boiada mais gorda e em menos tempo. Com o investimento em P&D, entre 1975 e 2018, segundo um estudo do Ministério da Agricultura, a agropecuária brasileira teve uma taxa de produtividade média de 3,36% ao ano, um valor acima daqueles obtidos por China e Austrália, por exemplo. Só para se ter uma ideia, a média histórica de crescimento da produtividade agropecuária dos EUA entre 1948-2015 foi de 1,38%.
Outra conta sobre produtividade: em 20 anos, segundo dados do Ministério da Agricultura, a safra de grãos subiu de 120,2 milhões de toneladas para 310,6 milhões por ano, uma alta de 258%, enquanto a área plantada passou de 43,7 milhões para 76,7 milhões de hectares, um salto de 76,5%. Ou seja, ocorreu um aumento de produtividade, permitindo maiores safras na mesma área de solo.
Na forma de investir financeiramente, porém, o agro ainda não é tão tech. Um caso quase pitoresco, que exemplifica esse ponto: um grande bancão do Condado tinha um cliente que era do agro. Esse cliente estava apto a ser atendido pelos melhores bankers do departamento de gestão de fortunas do banco. Mas o cliente? Continua com sua conta no segmento popular do bancão. Segundo ele, era muita pompa e um palavreado difícil para quem veio da roça, ele só precisava de um lugar para receber e fazer pagamentos (à vista, claro).
Esse caso ajuda a mostrar como o setor financeiro no Brasil tem espaço para crescer: se o leitor ou leitora quiser fazer igual os tios no interior — que acostumados com os altos e baixos da economia brasileira investem em ativos reais, como aqueles lotes comprados sempre que sobra um dinheiro — e investir no agro que é tech, vai ter poucas opções.
Existem os frigoríficos grandes e de capital aberto, mas as maiores fazendas e conglomerados não estão na Bolsa. No máximo, emitem debêntures. E quando essas debêntures são emitidas, o mercado toma tudo que é ofertado, pois sabem da qualidade do ativo que estão investindo. Mas nem tudo está perdido: existem bons fundos de crédito que compram estas debêntures e outros papéis do agro e que estão abertos para aportes.
O objetivo desta carta era mostrar aos leitores que, em se tratando de geração de riqueza no Brasil, existe muito mais do que o poucos quilômetros quadrados do Condado. Existe um setor que está escondido nestes rincões do Brasil, mas que através da pesquisa vem se tornando um dos melhores do mundo. E se fomos bem-sucedidos em nossa missão, você já deve estar acompanhando o preço do boi gordo, o valor das sacas de soja e café, e com uma guia de internet aberta para comprar o seu chapéu. Texano, de preferência.
Frase da Semana
O preço a pagar pela precisão é a incapacidade de lidar com questões do mundo real.
Douglas North
Economia e Mercado
Semana mais morna no Brasil, sem grande novidades do ponto de vista político. O mercado segue comemorando a possibilidade de cortes de juros neste ano, mas a bem da verdade é que o momentum de mercado já deu uma abafada. A economia brasileira segue surpreendendo positivamente, se não tivermos mais ruidos no meio do ano com o CMN e a troca de meta de inflação, temos tudo para termos 6 meses bons daqui pra frente. Obviamente isso aqui é o Brasil e você não pode ter tanto tempo de paz, sobretudo com a pauta da reforma tributária já virando a esquina. Ainda teremos emoções.
Nos EUA, mercado segue bem volátil. Uma hora gosta dos dados positivos, outra hora se apavora quando são positivos demais. Tudo indica que o Fed vai dar mais uma alta de juros, só não necessariamente em junho. A brincadeira ainda vai demorar um pouco para acabar e o americano está aprendendo de novo que a inflação é algo chato, duradouro e que a economia pode ser mais resistente do que imagina. Por outro lado, a bolsa americana segue indo muito bem, obrigado. Tudo que é de tecnologia e AI está dando certo e difícil imaginar alguém conseguir ficar short por muito tempo. Never bet against America.
Já a China continua frustrando todo mundo, mesmo estando em pleno vapor no consumo doméstico. O governo parece bem incomodado com a situação e já começa a tirar a munição do bolso, então vamos observar se essa desaceleração vai durar até o segundo semestre. Só precisamos tomar cuidado porque a coisa pode ser mais lenta do que imaginado e a resistência à dor por parte do governo ser maior do que imaginado. Por enquanto, China, só as coisas que você compra clandestinamente na internet.
O grande problema da Faria Lima se resumem a sua distância do cliente agro final.
Esta distância é composta desde o vocabulário até mesmo não entender que você está oferencendo o produto completamente errado para ele.
Apenas uma minoria é realmente investidora em papéis, já a grande maioria é tomadora, digo isto pois quero que alguém me apresente um papel que remunere mais que soja, boi ou valorização de imóvel rural entre outros.
Talvez este seja uma das minhas sortes, sorte de ser um agrônomo que usa botina e as vezes passa a semana na FL.
A conta é, não quanto custa, mas sim quanto sobra, e bancos financiam apenas 40% do agro, o restante se dá por multinacionais, revendas e tradings (que captam em bancos colocam mais spread e repassam), é uma dívida muita grande que chamo de bacen oculto.