Condado View - Ressaca de fim de ano
Legenda: Esta é a sua carta semanal para atualizar o cenário de mercado. O objetivo é que você pelo menos fique um pouco mais informado ou tenha o que comentar na mesa de almoço.
Brasil - Dentro da meta
Enquanto aguardamos o carnaval, parece que estamos numa espécie de "versão demo" do ano, não é mesmo? Não no mercado financeiro!
Vale voltar um pouco para entender o movimento do mercado na mudança de rali para cautela.
No finalzinho do ano passado, o mercado interno parecia estar completamente tomado pelo espírito natalino, esperançoso e alegre como criança na véspera de Natal. A animação vinha com a perspectiva de corte da taxa de juros americana já em março deste ano, além da antecipação de um cenário inflacionário controlado localmente. Para dar um pouco mais de magnitude e ilustrar o entusiasmo: o último relatório Focus de 2023 mostrou uma redução (em relação à semana anterior) na inflação esperada, fechando em 4,46% para 2023 e 3,91% para o final deste ano - isso sinalizava que o mercado já esperava uma inflação dentro da meta já em 2023.
Os principais índices acionários americanos batendo recorde com certeza não atrapalharam o rali do fim de 2023 do Ibovespa. O fluxo financeiro estrangeiro para o Brasil no fim do ano foi uma prévia do aumento da atratividade por ativos de risco em um cenário no qual a renda fixa americana perdia um pouco de charme - fruto do mesmo burburinho de corte de juros americanos em março. Nessa linha, o dólar fechou o ano passado em R$4,85.
De modo geral, o Brasil registrou um fluxo cambial positivo de R$ 11,4 bilhões de dólares em 2023 (sem revisões, por enquanto), o melhor desde 2012, puxado principalmente pelo canal comercial de R$48 bilhões de dólares (mais do que o dobro se compararmos com 2022) - Parece que a velha estratégia de exportar mais do que importar funciona mesmo.
Para fechar com chave de ouro, o Ibovespa terminou 2023 em 134.185 pontos, acumulando alta de 22,28% no seu melhor ano desde 2019. Never bet against Ibov.
No último dia do calendário legislativo antes do recesso, Câmara e Senado resolveram votar o orçamento de 2024 - timing impecável. Claro, porque decidir o futuro financeiro do país merece ser feito no apagar das luzes, não é? E que orçamento! Com um corte generoso de R$7 bilhões no PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, que mais parece estar em um programa de desaceleração, um fundão eleitoral relativamente modesto de quase R$5 bilhões, e claro, R$50 bilhões generosamente destinados para emendas parlamentares. Afinal, nada diz mais sobre as "prioridades financeiras" do que um bom e velho cheque em branco na forma de emendas parlamentares.
O ano começou com menos ímpeto, e não podemos colocar tudo na conta da realização de lucros pós-rali.
Com a reforma tributária aprovada, os projetos das subvenções do ICMS, da tributação de apostas esportivas e jogos de cassino online também aprovados sustentam o tom positivo para a agenda fiscal, contudo, entregar um déficit - zero - em ano de eleições municipais e centrão chorando por emendas parlamentares é complicado.
O caldo azedou um pouco nos primeiros dias do ano no mercado americano e jogou respingos de água no chope dos investidores de RV - bolsas ficaram cautelosas - e por aqui tivemos alguns indicadores de inflação importantes nesse início de ano também:
Depois de dois anos a inflação voltou a ficar dentro do teto da meta e terminou 2023 em 4,62%. Em dezembro o IPCA subiu 0,56%, embora um pouco acima da projeção da ANBIMA (0,44%), foi a menor taxa para o mês desde 2018, além disso foi o menor resultado anual desde 2019 - viva!
A montanha russa do mercado continua - e vou te contar o que já nem deveria mais ser um segredo: vai continuar sempre!
EUA - Desemprego que é bom nada
O mercado americano também teve motivos para estourar champagne no final de 2023, mas 2024 começou igual a você depois de exagerar no ano novo. As ações, após a celebração, entraram em um modo mais reflexivo, com recuos neste início de ano.
Além das realizações de lucro, o mercado trouxe novos contornos com as suas recentes divulgações. O otimismo anterior, aparentemente, estava vivendo em uma bolha de ignorância feliz, talvez por falta de relatórios de divulgação mais concretos.
Na semana passada a ata do Fomc, para surpresa de muitos, veio com um tom mais duro em meio às incertezas em relação à trajetória dos juros. A ata deixou claro que a interpretação do Fed neste momento é que ainda está em modo de cautela - esperar para ver. Ninguém prometeu corte em março não.
A abordagem mais restritiva da política econômica nos Estados Unidos tem criado um impacto desigual entre os diversos setores da economia. Por um lado, os setores mais sensíveis às taxas de juros continuam a sentir o peso da pressão da polícia monetária. Por outro lado, o mercado de trabalho, embora desacelerando, está fazendo isso a um ritmo lento e gradual.
Em dezembro, a economia americana adicionou 216.000 empregos, um número que superou as expectativas do mercado, que previa 175.000.
Ainda que os números da indústria tenham registrado um aumento substancial nas folhas de pagamento, a maior parte dos novos empregos foi criada em setores como governo, saúde, lazer e hotelaria em dezembro. Este padrão sugere uma recuperação mais diversificada do mercado de trabalho, com setores menos dependentes de financiamento e mais orientados para serviços mostrando maior resiliência.
A taxa de desemprego manteve-se em 3,7% no último mês do ano, indicando uma estabilidade no mercado de trabalho. No entanto, o aumento do rendimento médio por hora em 0,4% foi uma surpresa, ultrapassando as expectativas - um banho de água fria promovido pela resiliência do mercado de trabalho americano.
O CPI de dezembro sinaliza que as pressões inflacionárias se mantêm firmes para este ano. Teve um aumento de 0,3% em relação a novembro, contra 0,2% esperados. No acumulado do ano passado, a taxa foi de 3,4%. Ainda razoavelmente acima da meta de 2%.
Demorou mas chegou, finalmente a SEC aprovou os ETFs de bitcoin - se pudermos confiar no anúncio da conta oficial deles no Twitter (aka X) dessa vez? Isso habilita os investidores institucionais a entrar na brincadeira de verdade - agora a boleta é gorda.
Frase do dia
"Investir deveria ser mais como assistir à tinta secar ou à grama crescer. Se você quer emoção, pegue $800 e vá para Las Vegas." - Paul Samuelson
Curiosidade da Semana - Rua do muro
Você sabia que a origem do termo 'Wall Street' como um centro financeiro remonta ao século XVII, quando Nova York ainda era chamada de Nova Amsterdã? Naquela época, antes das bolsas de valores e dos sinos, Wall Street era apenas um caminho que corria ao lado de um muro construído para proteger o assentamento de ataques de nativos americanos. Em um momento de criatividade, os cidadãos nomearam o corredor como 'Wall Street'. Com o passar dos anos, este local se transformou no epicentro financeiro que conhecemos hoje, simbolizando o poder e a influência do mercado de ações global