Senhoras e senhores, sejam bem-vindos à newsletter mais esperada do Condado! Hoje o assunto é uma relíquia da história tributária brasileira que parece insistir em nos assombrar como um fantasma do passado: a CPMF.
O motivo para revirar o baú? Depois de uma recente medida de fiscalização e monitoramento da Receita Federal, especulou-se que essa seria uma medida para futuramente aumentar a arrecadação – fosse via Imposto de Renda ou até de uma eventual taxação do querido Pix. Se foi para aumentar imposto ou não, não importou muito: a medida foi mal anunciada pelo governo, a oposição caiu matando em cima da medida, a população aderiu às queixas da oposição e o governo teve que recuar. Lambança atrás de lambança.
A população brasileira adotou o Pix, que passou a ser o meio de pagamento mais popular no país (Fonte: BCB)
Os rumores de um eventual monitoramento de operações financeiras pelo Pix e a possibilidade de tributação mexeram com o imaginário coletivo: não pela novidade do monitoramento em si, mas pelo temor de que o governo encontre uma nova forma de nos cobrar até o ato de respirar (que, além do mais, já gera CO2). Claro, o Pix não é culpado; ele apenas escancarou o volume de transações digitais e facilitou um monitoramento que antes era um tanto rudimentar. Mas e se aí surgir uma nova CPMF?
Que Saudade Do Meu Ex (-Imposto)
Sim, meus caros, há quase 20 anos deixamos para trás um dos impostos mais controversos da nossa história recente: a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Criada em 1997, a CPMF foi concebida como um imposto simples e eficaz: incidia diretamente sobre todas as transações financeiras, fosse você um megaempresário transferindo fortunas ou um estudante tirando o dinheiro do lanche do caixa eletrônico.
O objetivo oficial? Financiar a saúde pública. A realidade? Muitos de vocês devem ter percebido que a qualidade do SUS não deu exatamente um salto quântico enquanto a CPMF estava em vigor. A verdade é que esse imposto acabou sendo usado como um curativo nas contas do governo, à medida que outros problemas fiscais se acumulavam.
A CPMF nasceu em um momento peculiar da economia brasileira. O Plano Real, implementado em 1994, tinha acabado de derrotar a hiperinflação — um feito comparável a domar um dragão que cospe fogo em um quarto escuro. O problema? A inflação descontrolada, enquanto corroía o poder de compra dos cidadãos, também funcionava como uma espécie de “imposto invisível” para o governo.
Basicamente, o Tesouro se beneficiava do impacto da inflação sobre o valor real da moeda. Quando o governo arrecadava impostos ou emitia dívida, os recursos chegavam em valores nominais, mas, devido à alta inflação, o montante efetivamente pago ou devolvido em termos reais era menor. Era como um truque contábil embutido no sistema: a inflação desvalorizava a moeda antes que o governo precisasse cumprir com suas obrigações, reduzindo indiretamente o custo da dívida e ampliando o poder de gasto do Estado sem um aumento proporcional de arrecadação.
Quando a inflação foi domada, essa fonte de financiamento secou. E com a estabilização monetária vieram outras demandas: juros altos para segurar o Real, necessidade de atrair capital estrangeiro e um sistema tributário que parecia sempre estar remendado com fita adesiva. A CPMF surgiu como uma solução “fácil”: tributar diretamente as movimentações financeiras de forma ampla e sem discriminação.
Apesar de eficiente em termos de arrecadação, a CPMF foi alvo de críticas intensas. Técnicos reclamavam do efeito cascata: o imposto incidia em todas as etapas de produção e consumo, elevando os custos de bens e serviços. Pequenos empreendedores e consumidores de baixa renda, por sua vez, sentiam o impacto regressivo — afinal, a alíquota não era diferenciada com base na renda.
Além disso, a natureza "provisória" da CPMF virou uma piada nacional. Inicialmente planejada para durar dois anos, o imposto foi prorrogado sucessivas vezes e acabou completando uma década. Esse "temporário" de longo prazo só reforçou a desconfiança do público e do mercado em relação à transparência das políticas fiscais do governo. Como cereja do bolo, empresas e indivíduos passaram a buscar meios de driblar a tributação, aumentando a informalidade na economia.
A CPMF era provisória e para custear a saúde: acabou não sendo muito provisória nem custeou apenas a saúde
Em 2007, depois de 10 anos de existência, a CPMF foi extinta pelo Senado. O estopim para sua queda foi a combinação de uma opinião pública contrária ao tributo e um embate político entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e a oposição. Embora o governo argumentasse que a contribuição era essencial para o financiamento da saúde, os críticos apontavam para o desvio dos recursos e a dependência do governo em soluções de curto prazo para problemas fiscais estruturais.
E assim, com uma alíquota de 0,38%, que gerava bilhões de reais em arrecadação, a CPMF foi enterrada. Mas não antes de deixar um legado: o trauma coletivo de que tributos sobre transações financeiras são uma tentação irresistível para qualquer governo em dificuldades fiscais.
Com o Pix revolucionando a forma como movimentamos dinheiro, é natural que os olhos do governo brilhem para o potencial tributário dessa ferramenta. Mas a resistência da população sobre um eventual impostinho no Pix foi feroz.
Se a CPMF ensinou algo, foi que a população brasileira é criativa — tanto para pagar impostos quanto para escapar deles.
Texto cativante como sempre
Por que só focar na parte populista da questão referente a uma potencial tributação, e ignorar o ponto real da mudança proposta que era de monitorar as transações de PIX acima de 5k?
Esse ponto tem muito mérito, mas fico decepcionado de ver vcs se rendendo a parte populista da questão.