Você leu algum livro nos últimos três meses?
Se a resposta for sim, parabéns: você está entre uma minoria no Brasil. Segundo a mais recente pesquisa “Retratos da Leitura”, do Instituto Pró-livro, apenas 47% dos brasileiros leram ao menos um livro nesse período. Isso significa uma queda de 6,7 milhões de leitores em relação ao levantamento anterior. E o dado mais surpreendente: a maioria dos alfabetizados, 62%, simplesmente não leu nada. Nenhum livro sequer.
Essa falta de leitura não é exclusividade de quem tem pouco acesso ou pouca escolaridade. O dado pega pesado também na elite educacional. Universitários estão lendo menos. A média de livros por ano entre eles caiu de 9,49 para 6,45, uma queda de 32%. E nem as crianças escaparam: entre crianças de 5 a 10 anos, o número de leitores caiu nove pontos percentuais.
A desculpa mais comum entre os que não leem é a mesma de sempre: falta de tempo. Cerca de 82% dos brasileiros dizem que gostariam de ler mais, mas 46% afirmam que não conseguem encaixar leitura na rotina. Isso num país em que muita gente encontra tempo para maratonar série, acompanhar a treta da semana no X/Twitter e Instagram e ouvir podcast em velocidade 2x. Ou seja, o problema não é falta de tempo: é falta de prioridade.
E por que essa conversa é importante para quem trabalha, ou quer trabalhar, no mercado financeiro? Porque leitura não é só um hábito bonito. É uma vantagem competitiva.
Num mundo saturado de ruído, excesso de informação e pressa pra opinar, quem lê com regularidade desenvolve uma habilidade rara: pensar com clareza. O mercado financeiro não é feito só de quem entende de macro, valuation ou derivativos. É feito, principalmente, de quem sabe interpretar contexto, estruturar raciocínio, argumentar com precisão. E isso não vem da timeline. Vem da leitura densa, daquela que exige presença, silêncio e paciência.
Enquanto muitos analistas gastam horas reproduzindo os bullets da Morning Call, quem leu Taleb, Reinhart & Rogoff, Acemoglu ou Kahneman está formando um lastro intelectual que não aparece diretamente nas, mas dá sinal nos relatórios, na conversa com clientes e até na hora das decisões difíceis. Ler é uma forma de pensar com os outros: com os mortos, com os clássicos, com quem já viveu ciclos muito parecidos com os que enfrentamos agora.
A leitura também virou uma espécie de arbitragem: no meio de tanta superficialidade, quem consegue manter atenção por mais de 20 páginas está navegando num oceano com menos competição. A Leitura está virando um alpha – que convenhamos, impressiona. Num mundo em que as pessoas acham que citar uma frase do Warren Buffett já é erudição, conseguir explicar a ciclos econômicos com algum referencial técnico robusto faz com que você se destaque em qualquer sala de reunião.
Tem mais: ler organiza o pensamento, melhora a comunicação, treina a empatia. E tudo isso faz diferença: não só no pitch com o cliente, mas no almoço com a turma do fundo, na entrevista de emprego, no e-mail que você manda pra mesa. Um bom livro lido na hora certa pode render um insight que vira case, tese de investimento ou uma boa resposta no comitê.
Só tem um problema grande: mesmo quem quer ler mais está cada vez mais distante dos livros. A pesquisa mostra que o engajamento com eventos literários é bem baixo: só 8% das pessoas foram a uma feira ou bienal nos últimos 12 meses. As bibliotecas também estão sendo ignoradas: 68% da população não frequenta nenhuma. E mesmo entre estudantes, quase metade também não vai. O livro digital, que poderia democratizar o acesso, ainda é de nicho: a maioria (83%) continua lendo no papel, só 16% leram o último livro em formato digital.
Resumindo: o país está lendo menos, com menos acesso, menos hábito e menos profundidade. E nesse contexto, quem lê se diferencia. Ler virou um privilégio, acessível e de custo baixo, mas com as redes sociais precisa de um investimento alto: sua atenção.
Se você quer mudar isso, sugerimos algumas estratégias que funcionam por aqui:
Agende a leitura como se fosse uma reunião em modo avião. Reserve um horário no Google Calendar. Pode ser 30 minutos no início do dia, na volta do almoço ou no metrô a caminho da Faria Lima. Desligue o celular e cumpra. Meia hora por dia já dá mais de dois livros por mês.
Comece pequeno e escolha o que te prende. Não precisa prometer que vai virar o Jorge Paulo Lemann da literatura. E muito menos começar por Keynes. Esqueça o que “deveria” ler e escolha o que te interessa de verdade. Quando o cérebro associa a leitura a prazer, ele quer mais.
Começou e não gostou? Próximo. Livro não é casamento, se não gostou, feche e comece outro.
Compartilhe o que leu — e construa reputação. Leu algo bom? Não guarde só pra você. Comente com os colegas, escreva uma linha em algum grupo do whats, puxe assunto no café, poste no LinkedIn. Dividir leitura é dividir repertório e isso constrói autoridade.
Aproveite que, num mundo de distração, ler virou diferencial. Poucos conseguem manter atenção por mais de 20 páginas. No meio do ruído, leitura virou arbitragem de atenção. Ler com profundidade hoje é operar em um campo com menos competição. E isso, no mercado, é onde mora o alpha.
A pesquisa “Retratos da Leitura” mostra que, no Brasil, a leitura é um hábito que está desaparecido. Espero que você o encontre: pelo seu bem, e até mesmo pelo bem da sua carreira.
Arquivos de Mercado
“O UBS quer vender o Pactual. Vocês têm interesse?”, confirmou Jacobs, indo direto ao ponto. “O preço precisa ser adequado, a execução, rápida e o sigilo, absoluto. Se o negócio vazar, está cancelado.” Mantendo o tom de urgência, sem transparecer euforia, Esteves respondeu: “Me dê 24 horas”. Por dentro, lutava para dominar a empolgação e evitar que a emoção atrapalhasse o raciocínio, que precisava estar afiado.
Eram sete horas da manhã em Londres, três da madrugada no Brasil, quando o telefone de Persio Arida tocou. “André, está no meio da madrugada aí. O que faz você acordado?”, perguntou o sócio economista. “Você é a única pessoa com quem eu consigo conversar agora, porque está todo mundo dormindo aqui”, o outro respondeu. “Eu não consigo descansar porque surgiu a chance de a gente comprar o banco de volta.” Arida perguntou qual era o preço. “Um pouco acima do valor patrimonial”, disse Esteves. “A transação tem que ser completada em quinze dias e não pode ter nenhum vazamento nem due diligence.”
E foi assim, com um telefonema no meio da noite, que começou uma transação histórica no mercado financeiro brasileiro: a recompra do banco Pactual pelos ex-sócios do lendário grupo, operação que deu origem a uma das maiores instituições de investimentos do país.
Essa e outras histórias de bastidores estão em “De Volta ao Jogo”, da jornalista Ariane Abdallah, publicado pela Portfolio-Penguin. Leitura obrigatória para quem quer entender a anatomia, a trajetória e até a psicologia do mercado financeiro brasileiro.
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