Deuses do Mercado & Sísifo
Sísifo era considerado o mais astuto de todos os mortais, mestre da malícia e da felicidade, acabou sendo marcado como um dos maiores ofensores dos deuses. Isso porque com sua astúcia e ganância, acabava por burlar regras estabelecidas pelos deuses, tramar contra os seus e tentar trapacear até mesmo os deuses imortais.
Mas havia um motivo pelos quais os deuses eram deuses e Sísifo era um mortal e quando ele morreu foi castigado por suas artimanhas e tramas por ser considerado um grande rebelde: foi condenado a, por toda a eternidade, rolar com suas mãos uma pedra de mármore enorme até o topo de uma montanha, sendo que toda vez que ele estivesse quase alcançando o topo, a pedra rolaria novamente montanha abaixo até o ponto de partida, acabando com todo o esforço realizado por Sísifo e o obrigando a reiniciar todo seu trabalho.
Na língua portuguesa, um “trabalho de Sísifo” é utilizado para denotar tarefas que envolvam esforços longos, repetitivos e que, inevitavelmente, estão fadados ao fracasso.
Sísifo é você, a pedra são seus investimentos e os deuses são o mercado.
Depois de vários ciclos de alta na renda variável, propiciados pelas taxas de juros baixas no mundo todo devido à derrubada dos juros em um cenário que enfrentava uma pandemia global, seus investimentos responderam positivamente e você passou a se achar um grande entendedor de mercado e de investimentos. Desafiando os “deuses” do Bom Senso e do Controle de Riscos, passou a fazer apostas cada vez maiores nas posições que achava vencedoras.
Situações que, em condições “normais” exigiriam cautela, nos últimos anos foram obviamente desconsideradas. Afinal, o mercado estava em alta, e mesmo que fosse consenso que uma hora a inflação chegaria (tanto pelo lado da oferta quanto pelo lado da demanda) e algo precisaria ser feito, esse dia estava muito longe e enquanto isso, aqui e agora, o que tinha que ser feito era uma coisa só: tomar risco. FOMO? Pode ser. Mas também, aquela empresa tech que todo mundo falava, parecia tão promissora, não é mesmo? E aquela criptomoeda que você nunca tinha ouvido falar, mas pessoal estava comentando que era a mais promissora de todas? “Oportunidade”.
E, enquanto isso, sua carteira, só morro acima. Como é bom ver retorno de dois dígitos, não é mesmo?
Até que: o “topo” da montanha chegou. Os deuses do Mercado mostraram quem manda e em 2022 a morfina dos juros baixos começou a ser retirada do mercado, pois viram que o paciente estava dando sinais de overdose e as batidas cardíacas da inflação estavam batendo em ritmo acelerado. Juro para cima, o dinheiro e financiamento das empresas ficam mais caros.
Desde então, o juro base da economia mundial – os Fed Funds – saíram de quase 0% em 2020 para o valor mais alto em mais de duas décadas: entre 5,25 e 5,50% a.a. em 2024. E, baseando-se nas últimas atitudes do banco central americano, não há expectativa de corte de juros tão próxima ou tão grande nos próximos meses à frente…
Consequência? Mercado pra baixo, bem como sua carteira. A pedra rolou no morro e seus investimentos não ficaram nada parecidos com o que estavam há alguns (poucos) anos atrás.
Você vai dizer que é culpa do político X, da guerra não sei da onde e até falar das taxas da corretora. Mas chorar não vai resolver e nenhum político vai salvar sua vida. O caminho é um só: engolir o choro, olhar os papéis que tem em carteira, reavaliar a estratégia e voltar pro campo. Subir a montanha rolando a pedra.
Mas, uma má notícia: agora o cenário está mais difícil. O caminho de agora não é o mesmo de antes, agora a subida é mais íngreme: ganhar dinheiro no mercado de agora – com juros os juros mais altos em 20 anos após um período em que os mesmos estiveram próximos a zero – é bem mais complicado do que era antes. Agora, o número de “gênios do mercado” tem sido bem menor.
Talvez essa correção do mercado tenha te dado humildade, talvez não. Tem gente que erra e não aprende, continua errando e colocando a culpa nos outros.
Aqui, vale beber da fonte dos semi-deuses, aqueles que estão há tempos nessa batalha para subir a pedra montanha acima. Da fonte dos semi-deus, talvez a torneira mais popular seja a do market timing: aquela que diz quando entrar ou não entrar no mercado, ou em um ativo específico. E essa discussão toda sobre quando o Fed vai, de fato, iniciar o corte de juros é um bom motivo para falarmos de market timing.
Aqui, os semi-deuses são categóricos: não tentem ser mais espertos que o Deus do Mercado. Esqueça isso de “hora certa” para entrar e hora certa para sair.
A Charles Schwab, fez um estudo sobre market timing. Quis entender qual estratégia seria mais vencedora no longo prazo: (1) investir assim que recebesse um dinheiro, independentemente do cenário do mercado, (2) fazer aportes mensais, também independente do cenário, ou (3) esperar um momento “perfeito” para passar a comprar as ações do mercado americano. Por via das dúvidas, também escolheu o caso em que (4) a pessoa começa a investir no pior momento possível, os dias em que o mercado teve baixas consideráveis.
A conclusão? Que mesmo entrando em um mal momento de mercado, você ainda terá retornos acima do que se não entrar. Mas, mais ainda, investir assim que recebe, sem fazer um “market timing”, é superior a ficar esperando a hora perfeita de investir.
Isso com dados do S&P500, índice do maior mercado acionário do mundo e que é possível de ser acessado pela Avenue, a corretora brasileira que é líder no acesso ao sistema financeiro americano para brasileiros.
O estudo chama-se "Does Market Timing Work?”, mas poderíamos traduzir como “Não tente ser Sísifo”, para lembrá-los de que não somos tão esperto quanto pensamos, que os deuses do mercado sempre estarão passos a frente de nós e com comportamentos erráticos e indecifráveis, mas que com uma dose de bom senso e humildade, podemos seguir nosso trabalho de diário na construção de bons investimentos.
Como? Fazendo o que devemos fazer em qualquer cenário de mercado: analisar sua propensão ao risco, manter-se fiel a ela conforme as mudanças de humor do mercado, realizar um estudo cauteloso dos investimentos que pretende fazer e, especialmente, ter humildade para reconhecer nossa pequenez frente ao mercado e agir de acordo.