Existe um adágio do mercado financeiro que diz que a taxa de câmbio foi criada por Deus para humilhar os economistas. De fato, ninguém esperava que o dólar chegasse em meados de 2024 quase batendo na casa dos 6, como mostrou um levantamento do Valor Econômico com as projeções realizadas no final de 2023 sobre o que poderia se esperar do dólar ao final de 2024:
Fonte: Valor Econômico
É bem verdade que as projeções são para o final de 2024, enquanto estamos na metade do ano. Mesmo assim, a distância entre o projetado e o realizado até o momento é relevante.
E dada essa trolha do dólar competindo com a gasolina pra ver quem chega a 6 primeiro, não dá para não lembrar daquele outro adágio, originalmente atribuído ao saudoso Mario Henrique Simonsen, de que “inflação mata, mas câmbio aleija”. Isso nos lembra que, embora nos preocupemos constantemente com os impactos nefastos da inflação, um choque da taxa de câmbio pode ter um potencial danoso muito maior para o Brasil.
Pois bem. A taxa de câmbio nada mais é do que a demanda e a oferta da moeda estrangeira vis-à-vis a moeda local nos regimes cambiais como o brasileiro. E se a taxa muda, é porque a relação entre demanda e oferta dessas duas moedas mudou.
E o que determina essa relação entre oferta e demanda pela moeda de um país frente a moeda estrangeira? Bem, há uma série de fatores, chamados de fatores de “push” e de “pull” de investimentos.
Os fatores de push são aqueles que "empurram" os investidores a sair de seus próprios países para procurar oportunidades de investimento no exterior. Estes fatores geralmente estão relacionados a condições desfavoráveis ou desafios no país de origem do investidor. Alguns exemplos incluem:
Instabilidade Econômica: Altos níveis de inflação, recessão, ou crise financeira podem desencorajar investimentos domésticos.
Altos Impostos: Regimes tributários pesados podem diminuir a lucratividade dos investimentos internos.
Instabilidade Política: Mudanças frequentes no governo, conflitos internos ou falta de segurança jurídica podem criar um ambiente incerto para os investidores.
Falta de Oportunidades de Crescimento: Mercados saturados ou com poucas perspectivas de crescimento podem levar investidores a buscar alternativas no exterior.
Regulamentações Restritivas: Leis e regulamentos que dificultam a operação ou expansão dos negócios podem desencorajar investimentos locais.
Já os fatores de pull são aqueles que "atraem" investidores estrangeiros para um país específico. Estes fatores geralmente estão relacionados a condições favoráveis ou oportunidades que tornam o destino de investimento atraente. Alguns exemplos incluem:
Estabilidade Econômica: Economias estáveis e em crescimento podem oferecer retornos mais previsíveis e seguros.
Ambiente Político Estável: Um governo estável e um sistema jurídico confiável podem aumentar a confiança dos investidores.
Baixa Tributação: Regimes tributários favoráveis podem aumentar a lucratividade dos investimentos.
Infraestrutura Avançada: Infraestrutura de qualidade (transporte, comunicação, energia, etc.) pode facilitar as operações e reduzir custos.
Disponibilidade de Recursos Naturais: A presença de recursos naturais valiosos pode atrair investimentos em setores como mineração, agricultura e energia.
Mão de Obra Qualificada e de Baixo Custo: A disponibilidade de trabalhadores qualificados a custos competitivos pode ser um atrativo para investidores que buscam aumentar a eficiência e reduzir despesas operacionais.
Acordos Comerciais e Incentivos: Políticas governamentais que ofereçam incentivos fiscais, subsídios ou acordos comerciais preferenciais podem tornar um país mais atraente para investidores estrangeiros.
Daí essas forças de push e de pull combinariam e a soma delas daria a direção para o preço da moeda: se pra cima ou pra baixar — ou melhor, de apreciação ou depreciação da moeda.
Dito isso, olhando pra essa lambança toda do real contra o dólar, o que dizer dessa combinação de fatores e o que explica essa disparada do dólar?
Um estudo da WHG respondeu:
Fonte: Wealth High Governance Asset
A grande discussão é se é o cenário internacional que poderia estar levando embora do Brasil o dinheiro aqui investido, ou se é o Brasil mesmo que estaria dando motivos para o investidor pegar seu rico dinheiro e zarpar do país em busca de outras terras para investir.
Segundo o estudo, em 2024, o maior responsável pela variação do câmbio foram fatores domésticos: embora o cenário externo contribua para a depreciação do real (-4,8%), o grande vilão nessa história toda são os fatores domésticos (-7,9%). Tem ainda um resíduo (-2,2%), que são fatores que o modelo não consegue explicar.
O estudo também fez uma continha do quanto seria a taxa de câmbio ao final de junho de 2024 que é explicada por fatores externos e a parte que é explicada por fatores locais. Explicada apenas por fatores externos, a taxa de câmbio seria de 5,09 (curiosamente, parecida com as projeções de mercado, conforme a primeira figura desse texto). Já se considerarmos também os fatores domésticos para explicar o câmbio, esse valor atinge os 5,59.
Lembrando do adágio sobre Deus e a taxa de câmbio, do início da nossa prosa, aqui mais importante do que olhar o número cravado, é a olhar a direção: para um nível de câmbio entre 5,00 e 6,00, existiria algo como 0,50 puxando a taxa de câmbio pra cima apenas explicado por fatores internos (fatores de “pull”).
Ou seja: aparentemente, o Brasil está se esforçando bastante para mandar mal. Só nos resta torcer.
Muito, muito bom!
Perfeito