Eleições, Olimpíadas e Choque Das Civilizações
Essa semana o mercado financeiro se reuniu no Teatro B32 – o famoso "Teatro da Baleia" – no coração do centro financeiro da Faria Lima para discutir as tendências globais de investimentos. O evento foi organizado pela Avenue, que viu o ticket-médio de seus clientes subir nos últimos anos e passou recentemente por um rebranding e agora ampliou suas estratégias de investimentos e linhas de atuação.
(Disclaimer: essa newsletter não é uma recomendação de investimentos e não representa a opinião de terceiros).
No meio de debates sobre o impacto das eleições americanas sobre o cenário geopolítico global e de investimentos, o papel da inteligência financeira em reduzir custos e estratégias de diversificação global, lembramos de uma Carta do Condado de alguns meses atrás, sobre eleições nos Estados Unidos, a Pax Americana e o reposicionamento das forças globais de poder.
A Pax Americana pode estar chegando ao fim – e talvez eles até nem queiram mais carregar esse peso
Para quem acompanha minimamente os jornais, já entendeu que a guerra na Ucrânia contra a Rússia não é apenas uma guerra de vizinhos: de um lado temos os aliados da Rússia apoiando os matrioska. Do outro, temos a OTAN e os EUA enviando armamentos e recursos para a defesa ucraniana (até o momento, porque talvez com a eleição de Trump os EUA mudem de lado e deixem de intervir no conflito… cenas dos próximos capítulos). Segundo os especialistas, o conflito na Ucrânia é uma proxy-war de algo muito maior, a disputa entre Ocidente e Oriente.
Por outro lado, o conflito entre os produtores rurais europeus contra seus governos, há alguns meses, pode ter passado despercebido para um público mais amplo. E mesmo que tenha sido percebido, talvez o link entre esses protestos, as eleições americanas e a guerra na Ucrânia não fique tão claro. Também, pudera: geopolítica mundial é um jogo que vemos a realidade fragmentada, as intenções nunca são claras e a narrativa depende de qual lado do planeta você se encontra.
Em tempo: os protestos dos agricultores europeus englobaram pautas diversas, mas no geral abrangiam críticas às políticas agrícolas e ambientais da União Europeia (UE), cada vez mais restritivas, e à concorrência de produtos importados. A política agrícola Europeia é extremamente subsidiada quando comparada a países emergentes (como o Brasil). Ocorre que depois desses protestos ocorreram eleições nos países europeus e para o parlamento da União Europeia – e esse novo rearranjo de forças no posicionamento tanto dos países quanto da UE nas questões de política interna e externa e deve ter impactos no relacionamento com seus parceiros globais tanto em assuntos econômicos quanto políticos.
E a guerra entre Israel e o Hamas, então? Segundo os especialistas, seria outra proxy-war – essa em menor escala – entre Ocidente e Oriente, mas também proxy para os conflitos intrarregionais e dos países que buscam ditar os rumos da região (que envolve grandes produtores de petróleo como o Irã e a Arábia Saudita).
Pois bem: no meio dessa bagunça toda de conflito para lá, proxy-war para cá, eleições redefinindo o posicionamento de alguns países-chave para a geopolítica global, existe uma teoria – controversa, diga-se de passagem – que guiou o posicionamento dos Estados Unidos após o ataque de 11 de setembro e que vês ou outra ressurge nos círculos de debate: a teoria do "Choque de Civilizações", de Samuel P. Huntington, cientista-político e professor de Harvard.
"O Choque de Civilizações e a Reconstrução da Ordem Mundial" de Samuel P. Huntington propõe uma nova perspectiva para entender a política global na era pós-Guerra Fria: Huntington argumenta que a principal fonte de conflito no novo mundo não será ideológica ou econômica, mas cultural. Ele postula que o mundo está dividido em civilizações distintas, cada uma com sua própria identidade cultural, e que futuros conflitos surgirão das interações e choques entre essas civilizações. Huntington identifica nove grandes civilizações: Ocidental, Chinesa (ou "Confuciana" ou "Sínica"), Japonesa, Islâmica, Hindu, Budista, Ortodoxa, Latino-Americana e Africana.
A Teoria do Choque das Civilizações e as 9 grande civilizações
Huntington acredita que as identidades culturais e religiosas são muito importantes para determinar as ações e alianças dos países. Ele diz que as diferenças entre civilizações são mais profundas e duradouras do que as ideológicas, o que pode levar a conflitos mais longos e intensos. O livro examina a história dessas civilizações para mostrar como as diferenças culturais e religiosas influenciaram a política global. Huntington também analisa como essas civilizações podem interagir no futuro, prevendo onde podem cooperar ou entrar em conflito.
"O Choque de Civilizações" também discute as implicações de sua teoria para a política global e a formulação de políticas. Ele sugere que as nações ocidentais devem reconhecer os limites de sua influência e trabalhar para a coexistência com outras civilizações, respeitando suas identidades e valores distintos. É destacada também a necessidade de instituições internacionais acomodarem os interesses de várias civilizações para prevenir conflitos – o que, 3 décadas depois do lançamento do livro, tornou-se "ultrapassado", na medida em que organismos internacionais como a ONU e a OMC têm tido seus papéis questionados ante a inanição em refrear conflitos internacionais.
A obra de Huntington gerou e gera consideráveis debates e críticas, com críticas quanto à divisão das tais civilizações e alguns argumentando que ela simplifica demais as complexas dinâmicas globais, enquanto outros a elogiam por sua análise perspicaz dos fatores culturais nos assuntos mundiais. Também, o papel da globalização (tanto comercial quanto cultural) e as migrações colocam um tempero especial e dificultam a análise.
Mas, o curioso nesse "causo" todo é que de 4 em 4 anos, enquanto discutimos que sentará na cadeira mais poderosa do mundo, também ocorrem as Olimpíadas (e nós deixamos momentaneamente o jaleco de especialistas em colégios eleitorais e passamos um mês especialistas em badminton, hóquei sobre grama e canoagem slalom). Olimpíadas são uma proxy para o "choque" de civilizações.
Além de mostrar o talento esportivo, os Jogos Olímpicos ajudam – teoricamente – a diminuir conflitos e a fortalecer os laços entre países. Ao menos era esse o intuito original, diz a lenda da sua criação lá na Grécia Antiga: eles criam um espaço onde as nações podem competir de forma pacífica e trabalhar juntas e ao reunir atletas de todo o mundo, os Jogos promovem o entendimento cultural, a amizade e a solidariedade, ajudando a canalizar as tensões para dentro das disputas esportivas e construir um mundo mais unido.
Como exemplo de uma canalização positiva das tensões geopolíticas, tivemos, durante os Jogos Olímpicos de Inverno em Pyeongchang, em 2018, um evento marcante. A tradição da Trégua Olímpica, que começou nos tempos antigos e foi trazida de volta pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e pela ONU, teve um grande impacto na Coreia. As duas Coreias, que estavam bastante tensionadas militarmente, desfilaram juntas na cerimônia de abertura com uma bandeira de unificação e até formaram um time conjunto no hóquei feminino. Esse gesto simbólico ajudou a diminuir as tensões e abriu caminho para conversas diplomáticas posteriormente.
Mas também dá pra arrastar as tensões dos campos de batalha para as quadras: a Guerra Fria também levou os conflitos geopolíticos para dentro da disputa. Um caso famoso foi a partida de polo aquático entre Hungria e União Soviética, nos jogos de Melbourne em 1956. A Hungria havia sido invadida pelos Soviéticos e polo aquático é o "futebol" dos húngaros: enquanto na Hungria acontecia uma revolta popular contra a dominação pelos soviéticos, na piscina olímpica de Melbourne, na disputa de polo aquático entre Hungria e a URSS a pancadaria rolou solta no que ficou conhecida como a partida mais violenta da história dos jogos olímpicos.
Melbourne 1956: A partida mais sangrenta das histórias das Olimpíadas virou até documentário do Tarantino
E por falar em Guerra Fria, nem só de mísseis em Cuba apontados para os EUA corrida espacial com direito a passeio lunar viveu o mundo: os jogos também foram palco da queda de braço entre Ocidente e União Soviética.
Ou seja: as Olimpíadas, para os mais atentos, sempre captam as tensões culturais e geopolíticas que estão rolando pelo mundo.
E a conclusão sobre eleições nos EUA, Olimpíadas e "Choque Das Civilizações"? Nenhuma. Se nem os especialistas em geopolítica concordam, quiçá nós, meros curiosos. Somente a certeza que logo menos teremos eleições presidenciais no país mais poderoso do mundo e isso deve ter impacto não apenas na forma como os EUA fazem sua política da porta pra dentro, como também da porta para fora. E isso pode modificar o equilíbrio de forças na geopolítica global. Fiquemos de olho.
Dica para o fim de Domingo
O saudoso economista Mário Henrique Simonsen já havia lançado a braba: “Inflação aleija, mas o câmbio mata”.
Antes do Plano Real, inflação era o calcanhar de Aquiles do Brasil, mas o câmbio um potente instrumento de transmissão da inflação — e também um elemento vital na dinâmica da economia brasileira. Por isso mesmo, na implementação do Plano Real tiveram não apenas medidas relacionadas à política monetária, como também medidas para o câmbio e para o fiscal. O famoso “Tripé Macroeconômico”.
Quer conhecer a história completa e detalhada de como se deu a verdadeira revolução econômica feita pelo Plano Real no Brasil? Conheça o podcast “Plano Real - a moeda que mudou o Brasil”, produzido pela Inteligência Financeira em parceria com o Estúdio Novelo. Já tem 5 episódios no ar: ouça agora no Spotify ou na sua plataforma de áudio preferida e para mais conteúdo acesse inteligenciafinanceira.com.br/planoreal. Um mergulho na história econômica do Brasil.