Donald Trump quer tirar os gastos do governo dos cálculos do PIB americano. A ideia geral foi explicada pelo seu secretário do comércio, Howard Lutnick: “Se o governo compra um tanque, isso é PIB. Mas pagar 1.000 pessoas para pensar em comprar um tanque não é PIB. Isso é ineficiência desperdiçada, dinheiro desperdiçado. E cortar isso, enquanto isso aparece no PIB, nós vamos nos livrar disso.”
Isso tem tudo a ver com o trabalho que Elon Musk está fazendo no DOGE (Department of Government Efficiency – Departamento de eficiência governamental), com a visão dos Republicanos (partido de Trump) sobre o papel do estado e, principalmente, se insere dentro de um grande contexto de realinhamento de forças globais e endividamento público. Nós explicamos.
Ato I: O PIB
O Produto Interno Bruto (PIB) é a medida mais comum usada para avaliar a atividade econômica e de quanto foi gerado de riqueza em um país. Ele soma o valor de todos os bens e serviços finais produzidos dentro de um país em um período determinado.
O PIB pode ser calculado por meio de três abordagens: a produção, a renda e os gastos, sendo esta última a mais comum. Na abordagem pela ótica dos gastos, o PIB é a soma do consumo privado, investimento empresarial, gastos governamentais e o saldo líquido de exportações e importações.
Ato II: O gasto do governo no PIB
Os gastos do governo passaram, ao longo do tempo, a representar uma parte cada vez mais significativa do PIB desde a Grande Depressão, influenciados pelas políticas keynesianas que defendiam o aumento dos gastos públicos para estimular a economia em tempos de retração devido ao “animal spirit” dos empresários estar retraído devido às incertezas à época, o que levava à redução dos investimentos e à queda do PIB.
John Keynes. No longo prazo estaremos todos mortos, mas a dívida do governo continuará lá, ascendente.
Nos EUA, o presidente Franklin D. Roosevelt foi quem primeiro aplicou essa abordagem keynesiana ao implementar o New Deal, uma série de projetos e programas que visavam revitalizar a economia dos EUA durante a Grande Depressão, reduzindo significativamente os efeitos da depressão e reformando o sistema financeiro.
Ato III: Qual o papel do estado?
O aumento dos gastos do governo durante a presidência de Roosevelt levantou questões sobre os limites da intervenção do governo na economia: embora inicialmente necessário para a recuperação econômica, esses gastos, ao longo do tempo, transformaram-se em uma ferramenta para ganhar apoio político através do populismo fiscal (o leitor atento e fiel sabe que já falamos sobre isso em edições passadas dessa encíclica). A continuidade dessa prática durante os quatro mandatos de Roosevelt gerou preocupações suficientes para que, após sua morte, fosse aprovada a 22ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos em 1951, limitando à presidência a apenas dois mandatos e procurando evitar a concentração prolongada de poder executivo nas mãos de uma única pessoa.
Isso acirrou a divisão ideológica entre aqueles que acreditam que o crescimento econômico é impulsionado pelo empreendedorismo e o risco privados, e aqueles que veem o governo como um agente crucial no desenvolvimento nacional. No extremo dessa visão governamental, emerge a ideia de uma economia planificada, onde o estado não apenas estimula, mas controla ativamente setores e define preços e produção – a experiência histórica, entretanto, mostra que isso pode levar a uma eficiência econômica reduzida e a problemas de escassez, como visto em vários estados com economias centralmente planificadas durante o século XX (esse papo fica para outro dia…).
Por aqui, as empresas do governo não vão bem das pernas, não. (Fonte: G1)
Aqui entra uma discussão que não tem fim, um verdadeiro vespeiro social:
Saúde é um serviço que deve ser provido pelo governo? No Brasil, a resposta é “sim”; nos EUA, a resposta é "não, porém depende” (devido ao Medicare e ao Medicaid).
O governo deve bancar gastos com shows públicos e cultura? A participação estatal na cultura pode ser vista como um investimento na identidade e no bem-estar social, mas também levanta questões sobre prioridades de gastos em tempos de restrições orçamentárias e outras prioridades da sociedade.
Salário de funcionário público deve ser compatível com a iniciativa privada? Esta é uma questão de justiça e eficiência. Salários competitivos podem atrair talentos para o serviço público, mas também devem ser sustentáveis para a saúde financeira do estado.
Deve o governo intervir em situações de desigualdade extrema de renda? A disparidade de renda pode levar a instabilidade social e econômica, mas a intervenção direta pode desincentivar o empreendedorismo e também está restrita à quantidade de dinheiro que o governo tem e ao quanto retira daqueles que estão produzindo..
A educação deve ser totalmente financiada pelo governo? A educação pública gratuita é vista como um pilar de sociedades igualitárias, mas a qualidade e a eficiência desses serviços são frequentemente questionadas. No Brasil, por exemplo, a educação pública de base (majoritariamente frequentada pelas classes mais baixas) recebe muito menos investimentos do que a educação de ensino superior (aqui, o papel inverte, e quem estudou em escola privada passa a estudar nas federais da vida, por exemplo).
Um país que tem pessoas passando fome e fazendo fila nos açougues para pegar os ossos que seriam descartados deve gastar para produzir um submarino nuclear?
E por aí vai, com perguntas que são capazes de gerar brigas que acabam com o jantar em família no domingos e separem amigos de longa data.
Ato IV: Até onde o estado pode ir
As finanças públicas representam um limite natural para a atuação do governo e na resposta das perguntas da seção anterior. O limite é quando o dinheiro acaba (o seu e o do governo (que também é seu, no fim)): para financiar gastos maiores, o estado pode aumentar impostos ou a dívida pública (também pode emitir papel-moeda por si só, mas já fizeram isso lá atrás e viram que não dá bom não, rs), mas ambas as opções trazem consequências.
O aumento de impostos pode desincentivar o investimento e o consumo, enquanto a expansão da dívida pública eleva os custos futuros com juros, podendo levar à insustentabilidade fiscal se não for bem gerenciada acaba virando inflação (ou seja: se a população não paga com impostos, acaba pagando indireta e forçosamente através da perda de poder de compra).
Ato V: Aparece Musk, o Ronaldinho Gaúcho dos EUA
É justamente nesse contexto de debates acirrados sobre o tamanho e o papel do estado que emergiu Elon Musk - o cara, no final, está parecendo um Ronaldinho Gaúcho americano, está em todas.
Com a missão declarada de "reduzir a dívida americana e poupar o dinheiro dos contribuintes americanos", Musk posiciona-se como um reformador, focado em cortar desperdícios e otimizar os gastos do governo e propõe aplicar nas finanças americanas a mesma lógica que aplicou na Space X, quando mostrou que foguete pode dar ré (para a tristeza dos coaches, que tiveram que procurar nova frase motivacional) e que os custos para colocar um foguete em órbita poderiam ser bem menores do que os praticados pela NASA, por exemplo.
O Citi Research estudou como a SpaceX reduziu os custos para colocar foguetes em órbita
Musk conseguiu reduzir significativamente os custos na SpaceX ao se concentrar em tornar os foguetes reutilizáveis, o que reduz o custo por lançamento ao não exigir novos foguetes para cada missão espacial. Além disso, a SpaceX frequentemente usa técnicas de fabricação inovadoras e medidas de economia de custos em suas operações para reduzir ainda mais as despesas. O Ronaldinho Gaúcho da tecnologia acredita que dá pra aplicar a mesma lógica ao governo americano, e Trump embarcou nessa ideia.
Musk achou que estava com tempo na agenda e pediu um emprego no governo americano, Trump aceitou.
Ato VI: Tira o G do C+I+G+X-M
Se você chegou até aqui, deve ter capturado o contexto geral: gastos do governo, carga de impostos, eficiência do governo e crescimento econômico são as palavras-chaves.
Essas mudanças propostas por Trump e Musk ocorrem em um momento crítico, onde os EUA enfrentam desafios de produtividade e concorrência crescente da China. Com déficits em conta corrente (o país importa mais do que exporta para o resto do mundo) e uma dívida galopante (o Congresso americano estima que na próxima década o país deve gastar quase 14 trilhões de dólares apenas para pagar os juros de sua dívida), a necessidade de uma gestão fiscal prudente e que destrave a produtividade americana é assunto quente.
E mais que isso, a pax americana é que pode estar em jogo: Ray Dalio, em um artigo recente, destacou a importância de cortar o déficit orçamentário para preservar a força econômica dos EUA no longo prazo. Ele argumenta que, sem uma ação decisiva para equilibrar as contas, o país pode enfrentar uma crise de confiança que comprometeria sua posição econômica global. Este cenário torna as reformas propostas por Trump e executadas por Musk não apenas oportunas, mas essenciais para a manutenção da hegemonia econômica americana.
Agora, se vai dar certo ou não, já são outros 500. A ver.
A maquina gosta de engordar , odeia palavras como corte, eficiencia, produtividade ou merito ....
Dura a parada .
Gostam da ideia de outros trabalharem para eles gastarem ....