Entenda De Vez Porque O Fiscal Importa
Quando o governo gasta mais do que recebe, ele tem quatro formas de fechar as contas:
1. Cortar gasto (tá essa parte é chata e impossível, vamos pular);
2. Aumentar a receita (impostos, principalmente, mas também privatizações, por exemplo. O caixa é rei até para o Estado);
3. Tomar um empréstimo ou financiamento (geralmente via emissão de dívida, chamando você para ser sócio dele comprando seus títulos públicos); ou
4. Emitir mais dinheiro (vantagens de ser governo, sinto muito por você).
Desde que o Brasil é Brasil, quase sempre nós gastamos mais do que recebemos. A bucha do fiscal é tão grande que isso já rendeu revolta popular e até decapitação (já ouviu a história de Tiradentes? Não é à toa que existe a expressão "quinto dos infernos": na época de nosso dentista mineiro favorito, a alíquota de imposto girava ao redor do 20% (um quinto, se você não é bom com contas)).
Para complicar mais ainda essa matemática do fiscal, o orçamento brasileiro conta com mais uma “jabuticaba”, que são os gastos obrigatórios: os gastos que, por lei (alguns inclusive anotados na Constituição), o governo é obrigado a realizar (com educação, saúde, e previdência, por exemplo). Discutir as particularidades, benefícios e malefícios destes gastos obrigatórios está fora do escopo dessa carta, e hoje vamos falar da contabilidade fiscal e dos mecanismos de como o governo faz para fechar as contas e como isso pode afetar sua vida e, principalmente, seu bolso.
Com esse orçamento engessado, a “margem de manobra” fiscal acaba sendo muito pequena, e quando o governo tem que fazer algum corte no orçamento - quando faz - quem sofre são os chamados gastos discricionários (o adjetivo é de compreensão imediata), principalmente os gastos com investimentos.
Como quase todas as discussões sobre orçamento passam pelo Congresso Nacional, e corte de gastos nunca são uma medida popular, as soluções mais “fáceis” sempre foram o aumento da carga tributária e a emissão de dívida: à duras penas, entenderam que emitir moeda para pagar despesa vem com uma fatura alta, que é a inflação.
Mas, como já dizia o mestre Chorão, “cada escolha, uma renúncia, isso é a vida”: o aumento da carga tributária (aumento de impostos) acaba pesando a mão sobre a atividade produtiva, encarecendo os bens e tendo impactos ambíguos sobre o emprego (a famosa Curva de Lafer). Obviamente pela facilidade de se criar um novo imposto (seja direto ou indireto) é muito maior do que a maldade de cortar gastos e parecer malvadão para a sociedade. Sim, políticos pensam assim.
Emitir dívida, no final, acaba sendo uma solução mais “sorrateira”, já que a geração atual recebe apenas os benefícios (receita das emissões), enquanto que seus impactos só vão ser sentidos no futuro (conforme o governo vai pagando os juros) - ou seja, é um conflito de gerações, com o risco de penhorar o futuro das próximas. Emitir dívida, porém, também depende do bom humor de quem está emprestando o dinheiro: se o país não tem um bom histórico de pagamento ou se já tem uma dívida muito alta, tende a pagar mais caro (juros de financiamento mais alto) quando toma empréstimo. Igual você quando tá com a corda no pescoço e vai pedir um empréstimo no bancão.
A última das possibilidades, emissão monetária (pintar papel-moeda, girar a maquininha, imprimir dinheiro, dinheirinho do banco imobiliário, chame como quiser) para o financiamento dos gastos públicos, segundo a nossa legislação, está vetada no Brasil.
Quem emite moeda é o Banco Central, e depois de muitos estudos meticulosos sobre a origem das hiperinflações, descobriram uma forte ligação entre desajuste fiscal e hiperinflação. Um desses estudos foi conduzido por ele, a lenda: Gustavo Franco, um dos pais fundadores da moeda brasileira atual. Não por acaso, a criação do Plano Real, que controlou a hiperinflação brasileira, que já durava anos, foi atrelada a uma reforma fiscal.
O Plano Real foi parte das reformas estruturantes que o Brasil implementou no início da década de 90, que deu estabilidade à moeda, mantendo o poder de compra da população e estabilizando a economia, que vinha há décadas convivendo com hiperinflação. A inflação é uma forma sorrateira e profunda de deixar as pessoas mais pobres e perpetuar as desigualdades, uma vez que impacta mais profundamente as classes sociais menos abastadas.
Aliado ao Plano, outros instrumentos foram estabelecidos, no chamado “Tripé Macroeconômico”: meta de inflação, câmbio flutuante e metas fiscais. As duas primeiras tarefas ficaram a cargo do BC (responsável pela política monetária e cambial), enquanto que a segunda ficou a cargo do Ministério da Fazenda/Economia (responsável pela política fiscal).
Ocorre que: desde a crise de 2008, o Brasil usou sua política fiscal (gastos do governo) para evitar uma queda significativa da atividade econômica. Com isso, cada vez mais foi ficando difícil fechar as contas, e mais e mais recorremos à emissão de dívida. Com o agravante de que quando o grupo político em poder entende que mais gasto se reflete em mais popularidade, os incentivos de uma política fiscal restritiva, são ainda menores.
Um dos termômetros da meta fiscal é o superávit primário, que é simplesmente a diferença entre o que o governo arrecada menos o que ele gasta (sem contar o gasto com juros da dívida). Com superávit primário é possível reduzir a dívida e, consequentemente, pagar menos juros. Novamente, igual quando sobra um dinheiro e você repaga a dívida no bancão, o que vai lhe permitir, nos meses à frente, gastar menos dinheiro com juros,
O cumprimento da meta fiscal é importante porque é um indicativo de como os juros e a inflação devem se comportar no futuro. A ideia é mais ou menos assim: “se o governo não consegue nem atingir a meta fiscal descontado os juros, como que então ele vai ME pagar os juros dos títulos que tenho?”.
O tema tem sido bastante falado ultimamente pela meta fiscal do ano, proposta pelo governo corrente, que deveria ficar em zero (nem superavit, nem deficit). Ocorre que: fazendo uma conta realista do que o governo pretende arrecadar e do que pretende gastar, a tendência é o governo ficar no vermelho. Consequentemente, além da pressão inflacionária que vem de um gasto maior, traz também um cenário de dívida e juros a pagar maiores.
Quer saber mais disso? Felipe Salto e Mansueto de Almeida, dois dos maiores especialistas no assunto no Brasil, escreveram um livro com um time de peso para explicar mais a fundo essa bucha. Se quiser entender de vez finanças públicas, esse é o caminho das pedras.
Os economistas não chegaram a um consenso sobre isso se imposto é bom ou ruim para os níveis de emprego, e nem vamos entrar nesse vespeiro, não somos doidos...rs. Mas se quiser entender como é a relação entre dívida e crises financeiras, o This Time is Different, dos geniais Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff é obrigatório. Um Clássico.
Por fim, quem quiser fazer o dever de casa e beber a sabedoria direto na fonte, recomendamos o livro “A moeda e a lei”, do mestre Franco. Poucas experiências de estabilização monetária no mundo foram tão bem sucedidas quanto a brasileira, e neste livro podemos aprender diretamente com um dos maiores cérebros pensantes brasileiros do século XXI.