Os Estados Unidos estão virando um Brasil do Norte e os indícios são claros:
inflação em alta
risco fiscal
juros altos
presidenciável com risco de ser preso
tentativa de assassinato televisionada na eleição
É, meus amigos e minhas amigas, essas eleições americanas tão dando pano pra manga e não é pouco: mal tivemos tempo de concluir se John Biden está apto mentalmente para sentar na cadeira principal do Salão Oval – as apostas estavam em quem poderia ser um(a) provável substituto(a) – e agora todos viramos especialistas em sniper americanos e teorias da conspiração.
A tentativa de assassinato do presidenciável Donald Trump é, na verdade, mais uma de uma série de eventos do tipo na maior e mais poderosa democracia do mundo: no momento da tentativa e em seguida à cobertura da imprensa, rodam imagens relembrando o caso do assassinato do presidente democrata John F. Kennedy, em 1963.
Mas tiveram outros. Só para se ter uma ideia, quatro presidentes dos Estados Unidos foram assassinados enquanto estavam no cargo, e vários outros sofreram atentados à vida. Tiveram a vida ceifada em meio ao exercício do cargo:
Abraham Lincoln (1861–1865): foi assassinado por John Wilkes Booth em 1865.
James A. Garfield (1881): foi baleado por Charles J. Guiteau em 1881 e morreu pouco depois.
William McKinley (1897–1901): foi baleado por Leon Czolgosz em 1901 e morreu em decorrência dos ferimentos.
John F. Kennedy (1961–1963): o caso mais famoso de todos, foii assassinado por Lee Harvey Oswald em 1963.
Além desses, houve outros presidentes que sofreram atentados, mas sobreviveram:
Andrew Jackson (1829–1837): um homem chamado Richard Lawrence tentou atirar nele em 1835, mas as duas armas de Lawrence falharam.
Theodore Roosevelt (1901–1909): foi baleado em 1912 por John Flammang Schrank durante uma campanha eleitoral, mas sobreviveu. Este atentado ocorreu após seu mandato presidencial.
Franklin D. Roosevelt (1933–1945): em 1933, Giuseppe Zangara tentou matá-lo, mas errou o alvo e matou o prefeito de Chicago, Anton Cermak.
Harry S. Truman (1945–1953): em 1950, dois nacionalistas porto-riquenhos tentaram assassiná-lo na Blair House, onde Truman estava residindo temporariamente.
Gerald Ford (1974–1977): em 1975, sobreviveu a duas tentativas de assassinato, uma por Lynette "Squeaky" Fromme e outra por Sara Jane Moore.
Ronald Reagan (1981–1989): foi baleado por John Hinckley Jr. em 1981, mas sobreviveu após ser levado ao hospital. Pois é, até o famoso Reagan não escapou de uma tentativa de homicídio.
Essa lista é para nos lembrar que política americana nunca foi um mar de rosas e de diplomacia como o viés da memória recente dos anos 90 e 2000 tendem a nos fazer pensar. Isso que só contabilizamos as tentativas contra presidentes/presidenciáveis, se incluirmos outros políticos poderosos, a lista cresce (mais recentemente, por exemplo, houve o ataque contra a vida do marido da deputada americana Nancy Pelosi).
Pelo contrário: a vida dos políticos americanos sempre foi pancadaria.
Estudos apontam como democratas e republicanos vem se distanciando ideologicamente há anos. Porém, há um fator novo que os cientistas sociais apontaram: a crescente polarização política entre os eleitores.
Um estudo do Pew Research Center de 2014 revela que a polarização política nos EUA aumentou significativamente nas últimas duas décadas. A proporção de americanos com opiniões consistentemente conservadoras ou liberais dobrou, e a animosidade partidária cresceu, com muitos vendo a oposição como uma ameaça ao bem-estar nacional. As divisões ideológicas afetam tanto a vida pública quanto a privada, com liberais e conservadores preferindo viver em comunidades que refletem suas crenças políticas. Essa polarização é mais pronunciada entre os mais politicamente ativos, que influenciam desproporcionalmente o processo político.
O estudo mostrou que (figura 1) os políticos democratas e os republicanos têm, cada vez mais, se distanciando em termos de visão de mundo e de política: os de "esquerda" tem ficado mais de esquerda e os de "direita" tem ficado mais de direita. Importante ressaltar que o conceito de esquerda americano é bem diferente do conceito brasileiro de esquerda.
Figura 1: Democratas e Republicanos mais divididos do que nunca
Mas, se os políticos são reflexos dos eleitores e da sociedade, e os números também indicam esse racha: a polarização política está se alastrando entre a sociedade e cada vez mais as pessoas preferem conviver com quem pensa igual a elas (figura 2) – construindo o que os sociólogos e cientistas políticos chamam de "câmaras de eco", onde apenas consome-se e discutem-se ideias ideologicamente alinhadas às suas e opiniões divergentes são vistas como ruins.
Quase dois terços (63%) dos conservadores consistentes e cerca de metade (49%) dos liberais consistentes dizem que a maioria dos seus amigos próximos partilham as suas opiniões políticas. Entre aqueles com valores ideológicos mistos, apenas 25% dizem o mesmo. As pessoas à direita e à esquerda também são mais propensas a dizer que é importante para elas viver num lugar onde a maioria das pessoas partilham as suas opiniões políticas, embora, mais uma vez, esse desejo seja mais difundido à direita (50%) do que à esquerda ( 35%).
Figura 2: Os eleitores dos extremos políticos tem cada vez mais preferido viver em uma bolha ideológica
E embora poucos americanos em geral cheguem ao ponto de expressar desapontamento com a perspectiva de um membro da família casar com um democrata (8%) ou um republicano (9%), esse sentimento não é incomum à esquerda ou à direita. Três em cada dez (30%) conservadores consistentes dizem que ficariam infelizes se um membro da família imediata se casasse com um democrata e cerca de um quarto (23%) dos liberais generalizados dizem o mesmo sobre a perspectiva de um republicano.
Figura 3: Até a liderança na Guerra Civil americana e líder da abolição da escravatura, Abraham Lincoln, não escapou com vida da polarização
Há quem aponte o efeito das redes sociais, enquanto outros apontam movimentos orgânicos dentro dos partidos e políticos que direcionam as opiniões dos eleitores. A resposta verdadeira, o futuro dirá.
De qualquer modo, uma coisa é certa: a política americana nunca foi um mar de rosas. Os próximos episódios das eleições presidenciais americanas prometem – mas, ao que parece, as chances de Donald Trump, agora um quase-mártir da democracia americana, subiram exponencialmente (ao menos, ao que indicam os dados das casas de apostas).
Interessante. A polarização chega para todos os países que adotam o sistema "democrático" ou que ao menos se dizem democráticos. EUA vem caminhando a esta polarização não é de hoje. E detalhe: anterior à polarização sempre tem uma eleição acirrada entre dois candidatos extremamente antagônicos. Seria o ponto de partida da polarização mais acirrada.
Tem algum estudo mais recento sobre echo chambers? O de 2014 parece obsoleto visto o quanto o discurso político das partes intensificou nos ultimos anos.