Feliz Páscoa, caros leitores da newsletter mais esperada do Condado! Estamos chegando ao fim de mais um feriadão e, com ele, a depressão de domingo. Cá estamos para fazer o seu descanso mais informativo.
Essa semana que passou o Banco Central soltou o documento que explicou os motivos pelos quais na sua reunião de número 261 o BCB não manteu a Selic, baixando a taxa básica de juros de 11,25% para 10,75% ao ano. O destaque da ata, porém, ficou por conta do recado que deixou: foi reduzida a indicação de cortes futuros na Selic, de forma que o BCB disse que sua diretoria antevê corte na mesma intensidade (0,50 pontos percentuais) apenas na próxima reunião. Ou seja: caíram do cavalo aqueles que esperavam que a tesoura do BC continuasse solta nos próximos meses.
Segundo o documento oficial, o BC disse que o cenário-base para os próximos meses não se alterou substancialmente, mas, diante do aumento das incertezas, achou apropriado ter maior flexibilidade para suas decisões e não garantir que vai cortar juros nos próximos meses à frente como tem feito até agora. Isso porque o cenário à frente se torna mais incerto por uma série de fatores: o risco-fiscal no Brasil, a elevação de juros nos Estados Unidos, a Guerra no Oriente Médio… É, meus amigos e minhas amigas, o mundo está uma loucura.
O grande "choque" nesse comunicado foi essa mudança de sinalização do BCB, soltando um "veja bem…" e não se comprometendo a cortar juros como todos estavam pensando que seria feito até então. Palavras de um diretor do BC: "A gente sempre fala que [o ‘forward guidance’ depende da] confirmação do cenário esperado e somos dependentes de dados".
"Forward Guidance" é essa forma de comunicação do BC com o grande público sinalizando os próximos passos que deve tomar – ou, no linguajar popular, controlar as expectativas na base do gogó.
Já os "dados" mencionados são os indicadores antecedentes de como deve fechar a inflação nos meses à frente: a função do BC é manter a inflação dentro da meta, e para isso tem que olhar para onde devem andar os preços.
Aqui, uma definição: inflação é a variação de um índice de preços previamente definido. Inflação, em termos que importam para a política monetária, não é o preço do feijão no supermercado na rua da sua casa, e sim uma composição de preço de diversos produtos para formar um índice de preços.
Daí se o índice hoje está em 1100 e exato um mês atrás ele estava em 1000, isso quer dizer que a inflação no período foi de (1100/1000-1)*100 = 10%. Quando a gente diz que a inflação aumentou é porque em um período ela foi de 10% e no período seguinte foi de 12%, por exemplo. Se em um período ela foi de 10% e no outro período também foi de 10%, dizemos que a inflação foi estável – mas isso não quer dizer que o nível de preço ficou estável: pelo contrário, ele subiu!
De todo ruim, inflação não é: é natural a subida de preços e quando ocorre o contrário (deflação, a queda generalizada nos preços), pode ser um indicativo de uma oferta de bens e serviços maior do que a demanda, que pode desencorajar os empresários a produzir e, consequentemente, ao aumento do desemprego. É o famoso trade-off inflação e desemprego que falam por aí.
Inclusive, essa escolha entre inflação e desemprego é o maior objetivo dos bancos centrais. Uns dão mais peso a ter um desemprego menor (e portanto acabam tendo que aceitar uma inflação maior), outros escolhem manter os preços controlados e por isso acabam tendo que aceitar um desemprego maior. No geral, os EUA se encaixam no primeiro caso, enquanto que o Brasil encontra-se no segundo caso. Essa escolha tem muito a ver com a história econômica do país, e a escolha do BCB de inflação sob controle é explicada pelo nosso passado de grandes hiperinflações.
Existem vários índices de preços, e o BCB, especificamente, acaba olhando mais para o IPCA e, em menor escala, para o IGP-M. O IPCA, Índice de Preços ao Consumidor Amplo, é calculado pelo IBGE. Para definir o cômputo do índice, o Instituto utiliza a POF (Pesquisa de Orçamento Familiar), que é uma pesquisa realizada no Brasil inteiro com o objetivo de entender o orçamento doméstico das famílias. Na POF, entram desde o gasto com feijão e carne no supermercado até gasto com cabeleireiro e manicure, passando por gastos com jogos e apostas.
Uma vez definido quais os itens que devem ter seus preços acompanhados, o IBGE vai às ruas anotar o preço dos itens da POF. Mas ele não vai ao Brasil inteiro, não. O alvo do Instituto são as principais regiões metropolitanas do país, como São Paulo, Belém e Campo Grande. Uma vez anotados os preços, os funcionários voltam ao Instituto e calculam o novo valor do índice.
Os outros índices mais comuns são:
IPA: Índice de Preços ao produtor Amplo, registra variações de preços de produtos agropecuários e industriais nas transações interempresariais, isto é, nos estágios de comercialização anteriores ao consumo final.
IPC: Índice de Preços ao Consumidor, similar ao IPCA, mede a variação de preços de um conjunto fixo de bens e serviços componentes de despesas habituais de famílias com nível de renda situado entre 1 e 33 salários mínimos mensais (SM).
INPC: Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, similar ao IPC, mas com foco nas despesas das famílias de 1 a 5 SM.
IGP-M: Índice Geral de Preços ao Mercado, é uma composição que pondera entre o IPA (60%), IPC (30%) e INPC (10%). Segundo índice mais popular depois do IPCA, surgiu no início da década de 90 com o objetivo de corrigir depósitos bancários e títulos do Tesouro Nacional pós-fixados. Hoje é mais lembrado por ser o índice de correção dos aluguéis. Ele possui maior correlação com o dólar, devido sua parcela atrelada à construção civil.
IGP-DI: Índice Geral de Preços – Demanda Interna, é similar ao IGP-M, mas o período de cálculo do índice é diferente.
Como os leitores podem ver, são vários índices e cada um mede de um conjunto de preços diferentes, o que faz com que nem sempre eles andem juntos. Por exemplo: uma quebra de safra é muito mais sentida no IPA (de preços agrícolas) do que IPCA (de preços ao consumidor final), por exemplo. Porém, como essa quebra de safra pode acabar impactando o preço aos consumidores finais, o IPA serve como um “aviso” de que o IPCA pode subir mais a frente. Do mesmo jeito, os efeitos de uma desvalorização cambial são sentidos primeiro no IGP-M (que leva em conta toda a cadeia produtiva) do que no IPCA (que mede o preço dos produtos para o consumidor final).
E é justamente nessa diferença de índices que muita coisa interessa acontece. Muitas histórias pitorescas, também, do tipo: no período de hiperinflação, próximo da data de confecção do IGP-DI (que antes ocupava o lugar do IPCA como principal índice de preços), era comum que o governo ordenasse que os caminhões de abastecimento de supermercados com destino ao interior fossem “desviados” para o Rio de Janeiro, fazendo assim a oferta de produtos nos supermercados do Rio de Janeiro estivesse alta e, portanto, os preços sob controle.
Na época da hiperinflação, tentou-se de tudo pra baixar os preços. Nada deu certo até chegar o Plano Real.
A diferença nas métricas dos índices também abre espaço para arbitragem no mercado financeiro: o mercado negocia papéis de renda fixa, que tem seu preço dado tanto pela taxa básica de juros (a Selic) quanto pela correção real dada pela taxa de inflação. A venda e a compra de papéis é, então, fruto das diferentes perspectivas de Selic e inflação futuras. O IPCA é o índice que o BCB utiliza para definir a Taxa Selic mas, como dissemos, o índice mede o preço ao consumidor final. Uma desvalorização cambial, como a que ocorreu nos últimos meses (cerca de 30% em 2020), não é diretamente sentida no bolso da população. No geral, primeiro ela ocorre com o aumento do preço dos produtos importados, que impacta o setor industrial, que pode absorver o choque e/ou repassar os preços para frente, até chegar, finalmente, nos preços ao consumidor final e ao IPCA. É o famoso pass-through do câmbio.
A decisão do Banco Central de baixar a Selic em 0,50 pontos percentuais veio com essa surpresa de não ter garantias que nos próximos meses teremos uma redução de juros do tamanho que foi feita até aqui – e tudo isso porque, embora o cenário-base não tenha mudado, a incerteza sobre esse cenário aumentou… E dessa mudança de sinais do BC, fica um questionamento: será que o BC sabe de algo que não sabemos? Na dúvida, melhor acompanhar o desenrolar dos fatos.
Forward Guidance é muito sobre a credibilidade do BC e as condições de mercado. E isso exige um acompanhamento constante do cenário e dos indicadores financeiros. Um excelente hábito para um investidor ter é acompanhar o site da Inteligência Financeira (@sigaif), que ajuda a navegar o mundo dos investimentos e entender o que faz preço no mercado. Notícias de última hora do mercado e análise feitas por especialistas em investimentos, além de conteúdos exclusivos com grandes nomes do mercado.
Muito boa a explicação sobre os diferentes índices. Muito obrigado!