História, Beatles e Perguntas Indiscretas
A história do mundo não é linear e encadeada, mas sim circular e com eventos desconexos no tempo mais ligados por ideais comuns, dizem os especialistas. Para entender um movimento que acontece no planeta Terra em 2022, é preciso olhar um espectro mais amplo e identificar movimentos que ocorrem ao longo do tempo, mesmo que de forma latente. Os leitores mais assíduos devem se lembrar que já escrevemos algumas Cartas sobre isso.
O século XVIII (1701-1800) foi marcado por reviravoltas e grandes revoluções: Revolução Francesa, Revolução (Independência) Americana, Guerras Napoleônicas, Inconfidência Mineira e mais uma lista grande de eventos que marcaram a passagem da Idade Moderna para a Idade Contemporânea – a que vivemos hoje – na classificação dos especialistas.
O Que Veio Antes
A Idade Moderna foi marcada pelo renascimento urbano do pós-Idade Média, renascimento do comércio entre os países e uma expansão do mundo como conhecíamos à época: as Grandes Navegações chegaram ao Novo Mundo e, com ele, novos povos, novas culturas e novos produtos passaram a ser conhecidos.
Embora marcado pelo crescimento do comércio, quem dava as cartas eram o rei e seus “amigos”, a nobreza: era o rei quem assinava as autorizações que permitiam as pessoas trabalharem em certos ramos, era o rei que mandava e desmandava nas políticas econômicas, externas e demais políticas de governo. Queria abrir um novo negócio? Tinha que pedir autorização para rei. Queria importar ou exportar um produto? Tinha que pedir autorização para o rei. E por aí vai…
Não por acaso, nessa época surgiu o movimento do laissez-faire, que defendia maiores liberdades econômicas, individuais e sociais dentro das monarquias. A premissa era que existia um direito “natural” à liberdade individual e que o sistema econômico no qual as transações entre grupos privados de pessoas estariam livres de qualquer forma de intervencionismo econômico (como subsídios e taxações) decorrente de grupos de interesses especiais (naquele caso, a nobreza e o rei). O termo laissez-faire vem da expressão francesa "laissez faire, laissez aller, laissez passer, le monde va de lui-même", que pode ser traduzida como "deixe fazer, deixe ir, deixe passar, o mundo vai por si mesmo" – certamente, se tivesse surgido no outro lado do Canal da Mancha, na Inglaterra, o movimento seria conhecido como Let It Be e voltaria à boca do povo séculos depois, através dos Beatles. rs.
Aconteceu que: os comerciantes ficaram mais ricos ao longo do tempo, ficaram cada vez mais insatisfeitos com os altos impostos cobrados sem o devido retorno (e reconhecimento) por parte do rei e se uniram às classes menos favorecidas – que já viviam em situações precárias, mas por eventos climáticos acabaram por passar por grandes períodos de seca e fome – para derrubar um sistema centrado na figura do rei por um sistema mais parecido com o que conhecemos hoje, com três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e as figuras de presidente, deputados e juízes. O marco é a Revolução Francesa, em 1789.
O Mundo Como Conhecemos Hoje
Essa troca na forma de governo, de reis para governos democrático, marcam a Idade Contemporânea. Mas não só isso: agora o poder passou de fato para a mão dos que comandavam os negócios, o voto popular foi estabelecido e expandido para um maior número de pessoas.
Foi um período de rápido crescimento econômico: a revolução industrial tomou corpo e agora as máquinas passaram a fazer o trabalho que antes era feito pelo braço humano. A consequência? Aumento da produtividade e uma maior oferta de bens de consumo, principalmente. Primeiro, eram bens intermediários e de acesso a poucas pessoas. Com o tempo, porém, mais bens de consumo finais passaram a ser oferecidos ao grande público.
Mas não só o crescimento econômico foi rápido, mas também as mudanças sociais: em menos de dois séculos, a urbanização acelerou-se e agora a maioria da população mora em cidades, dedicando-se ao trabalho no comércio e indústria, em contraposição ao trabalho na lavoura. Além disso, a divisão do trabalho ficou mais igualitária, com mulheres passando a desempenhar um maior papel no mercado de trabalho e na renda familiar.
E nas últimas 3 décadas, o desenvolvimento ganhou um formato exponencial: o computador e a telecomunicação conectou o mundo 24 horas por dia, 7 dias por semana. A indústria da moda e Hollywood padronizaram o consumo e a cultura ao redor do mundo. E, por fim e não menos importante, as redes sociais conectam o último elo da sociedade: os indivíduos.
Essa mudança provocada pela tecnologia e redes sociais é tão forte que há quem defenda que deveríamos criar uma nova classificação histórica, o Pós-Modernismo. No Pós-Modernismo, os eventos são repercutidos em tempo real, os eventos no digital tem impactos no mundo real (e vice-versa) e as empresas e as formas de trabalho, lazer e consumo também são mais flexíveis.
As empresas, diferentemente de antes, agora investem pesado em tecnologia para oferecer serviços que antes eram oferecidos a um público mais restrito. Empresas como Uber e AirBnB são as maiores empresas de transporte e de hotelaria do mundo, respectivamente, mas não possuem frotas nem apartamentos. Mesmo assim, ampliaram e democratizaram o acesso a esses serviços.
A forma de trabalho também mudou, com as pessoas passando mais tempo em frente ao computador e, mais recentemente, podendo se localizar em qualquer lugar do mundo para trabalhar. Essas mesmas pessoas agora têm um padrão de consumo diferente do que tínhamos há um século atrás: a maior oferta de bens de consumo fez com que seus preços relativos caíssem (uma geladeira hoje em dia custa bem menos no seu orçamento do que custava no tempo dos seus avós), permitindo aos trabalhadores direcionar partes cada vez maiores ao consumo de serviços e ao lazer.
Juntando os dois últimos tópicos, fica claro: a liberdade de consumo e de escolha do trabalhador cresceu. E as empresas, claro, devem se adaptar a esse novo mercado. Por isso mesmo, pensando em se adaptar a mudança dos tempos e no gosto dos consumidores, o Santander Brasil acabou com a tradição de mais de 40 anos e o quanto você ganha não define mais qual conta você vai ter. Agora, qualquer pessoa que queira ser cliente do Santander Select, pode ter: assessoria especializada, agências exclusivas para clientes Select, mais de 200 espaços que oferecem conforto e privacidade e benefícios exclusivos para você aproveitar dentro e fora do Brasil.
Se passamos do Período Contemporâneo para o Pós-Moderno, deixamos com os especialistas – isso parece ser mais uma questão terminológica. Mas entender em qual parte da “espiral circular” é importante: fenômenos costumam se repetir de tempos em tempos e, embora a tecnologia tenha revolucionado a forma como as coisas são feitas, o ser humano não muda sua natureza em poucos séculos. Entender como a velocidade de comunicação instantânea entre as pessoas, empresas e governos impactará os negócios e a vida das pessoas é um exercício de futurologia arriscado e cheio de tropeços, mas também interessante e divertido: depois dessa Carta, você já pode colocar seu jaleco e passar a dar alguns pitacos!
Frase da Semana
"Eu tive sorte, mas só depois que comecei a treinar 10 horas por dia."
Tiger Woods.
Tópicos de Economia e Mercado
Que semana! Ficamos cozinhando o mercado literalmente por 5 dias até a sexta-feira chegar e realmente trazer alguma novidade. Ninguém queria realmente tomar muito risco até o Powell falar no Jackson Hole e os dados de inflação nos EUA fossem divulgados. O mercado andou muito nos últimos 50 dias e agora parece que vai tomar um respiro. Bom, quem esperou, fez certo. O homem estava bravo. Curto e grosso. Botou o mercado de joelhos de uma vez. Falou de combate à inflação, citou que a economia vai ter que sentir alguma dor e que a ideia é deixar o juro elevado por bem mais tempo, algo que o mercado teima em ignorar. Não foi o primeiro e não será a última a dizer isso. É o fim do rally dos últimos dias? É difícil dizer, mas o mercado que estava leve desde julho agora começa a ganhar um sobrepeso e o espaço para correr com beta acabou.
Na Europa, a situação não para de piorar. O continente tem virado uma grande América Latina, com problemas de países subdesenvolvidos, tipo falta de energia e crises fiscais. O rio Reno continua seco e dificultando a vida dos alemães, o gás vai parar de novo de vir da Rússia e o banho vai ficar frio durante o inverno Europeu. Quem planeja viajar para a Europa nos próximos 2 meses talvez seja hora de olhar com carinho a evolução do Euro.
A China também está indo para o mesmo buraco, com falta de energia e Covid correndo por fora. Mais do que isso, o setor imobiliário continua mergulhando no caos e os estímulos continuam direcionados para infraestrutura, o que não é exatamente um remédio que vai tirar o país do atoleiro. Não vem muita notícia boa para as commodities, em especial o minério de ferro. Por outro lado, a impressão que dá é que “pior não fica”. Isso já é um primeiro sinal. O primeiro ponto para uma melhora é parar de piorar. Vamos ver que o Xi Jinping vai fazer no final do ano.
No meio disso tudo, mesmo diante de uma eleição, o Brasil está conseguindo ser um destaque relativamente positivo. O ciclo de juros parece ter acabado e está todo mundo olhando para 2023. Claro, a inflação voltou a surpreender para cima (mesmo sendo uma deflação), o que fez até o RCN levantar da tumba durante o dia.
Por fim, eleição, eleição e eleição. Vai começar a boleiragem na TV, dedo no olho, tapa na cara e bullshitagem. Para ser sincero? Já sabemos o que vem no segundo turno. Agora é tentar imaginar o que acontece entre o primeiro turno e o segundo. Isso ninguém sabe e o Brasil sempre se mostrou uma caixa de surpresa. Quer tomar risco agora? Zero problema. Se acertar terá sido sorte, se errar terá sido burrice. Assimetria não parece boa. A Selic está te pagando para esperar.