Tudo começou com um docs do Google com um abaixo-assinado dos funcionários do IBGE contra a transferência da unidade do IBGE, do tradicional ponto no Centro do Rio de Janeiro para o Horto Florestal, uma área nobre mas com pouca oferta de transporte público.
Depois, escalou para denúncias de medidas autoritárias e de cunho unilateral do atual presidente da instituição. Por fim, descobrimos a criação da Fundação IBGE+, uma fundação pública de direito privado — o tal do “IBGE paralelo”, que já estava circulando à boca pequena por aí, mas que os funcionários só souberam da criação meses depois do estabelecimento legal da Fundação.
Ainda não está muito claro o papel que a Fundação IBGE+ terá, o que se sabe está em seu estatuto — que inclui, inclusive, a contratação de funcionários CLT, algo que o IBGE “real” não pode fazer — mas, aparentemente, foi criada para atender demandas de pesquisas e projetos de órgãos públicos sem as amarras orçamentários. O “como", não sabemos exatamente.
Mas, essa treta toda está inserida em um contexto mais amplo, que envolve a troca do comando da Instituição e das subsequentes declarações do presidente e atritos com os funcionários de carreira da instituição. Ex-presidentes do Instituto também fizeram duras críticas ao presidente atual.
Com essa crítica toda, não passaram incólumes suspeitas sobre a contabilização e divulgação dos dados. Dado o histórico, declarações e postura do atual presidente, passaram-se a questionar se não haveria intervenções na contabilização dos dados, de forma que fossem mais “benevolentes” à gestão atual.
E, nesse último ponto, o investidor deveria estar de olho: o IBGE é o responsável pelo cálculo do IPCA. Aquele IPCA mesmo, que remunera os títulos do governo atrelados à inflação. A lógica é clara: para um governo, é sempre bom PIB em alta e inflação em baixa. Se se questionam a veracidade dos dados, questionam se o número não seria maior — o que, por óbvio, implica na menor remuneração dos títulos.
Pois bem, ainda estamos no campo das especulações, mas essa história toda nos lembra outros eventos “curiosos” que ocorreram com agências estatísticas oficiais ao redor do mundo. “Agência estatística oficial” parece meio boring, não parece? A imagem de um funcionário público tabulando dados em um computador antigo… Mas, a realidade mostra que essa agências têm um potencial grande de fazer estrago. Vamos relembrar 5 casos que tiveram ampla repercussão e impactos na economia:
ARGENTINA
Durante os governos de Néstor Kirchner e Cristina Fernández de Kirchner, o Instituto Nacional de Estadística y Censos (INDEC) da Argentina foi amplamente criticado por manipular os dados de inflação. Especialistas e economistas denunciaram que os números oficiais de inflação estavam sendo subestimados, enquanto a inflação real no país era significativamente maior. Isso levou a uma perda de confiança nos dados do INDEC, e até mesmo organizações internacionais e economistas independentes começaram a divulgar suas próprias estimativas, geralmente bem superiores às cifras oficiais. Em 2016, após a mudança de governo, o INDEC passou por reformas para restabelecer sua credibilidade.
GRÉCIA:
Um dos casos mais famosos de manipulação de dados ocorreu na Grécia durante a crise da dívida soberana em 2009. O governo grego havia subestimado consistentemente os déficits orçamentários e o nível da dívida pública ao longo dos anos. Quando a verdadeira extensão do problema foi revelada, o país foi forçado a recorrer a resgates internacionais. Posteriormente, o governo admitiu ter manipulado estatísticas econômicas, como os níveis de déficit público, o que contribuiu para a crise financeira global e levou a uma reavaliação dos critérios de transparência da Eurostat, a agência de estatísticas da União Europeia.
CHINA:
A China é frequentemente acusada de manipular ou maquiar seus números oficiais de crescimento econômico, especialmente os dados do PIB. Desde a década de 1990, economistas ocidentais e observadores internacionais questionam a precisão dos dados econômicos chineses, sugerindo que o governo central tem o hábito de inflar as taxas de crescimento para manter a imagem de uma economia em ascensão constante. Relatos de províncias superestimando o crescimento econômico local para cumprir metas estabelecidas pelo governo central aumentaram a desconfiança nos números oficiais.
RÚSSIA/UNIÃO SOVIÉTICA:
A Rússia, tanto na era soviética quanto na era moderna, foi acusada de manipular ou maquiar dados oficiais, especialmente em relação ao PIB e à produção industrial. Durante o regime soviético, era comum que as fábricas e indústrias inflassem seus números de produção para cumprir as metas do Plano Quinquenal, enquanto a realidade era muito mais modesta. No período pós-soviético, sob a liderança de Vladimir Putin, surgiram acusações de que o governo russo manipulava as estatísticas econômicas para minimizar os impactos das sanções internacionais e a recessão interna. A credibilidade dos números oficiais de inflação, crescimento econômico e desemprego é frequentemente questionada.
Finalmente, essa daqui tem história.
ZIMBÁBUE:
Durante o regime de Robert Mugabe, o Zimbábue enfrentou uma das maiores crises econômicas do mundo, marcada pela hiperinflação e colapso econômico. O governo foi acusado de manipular dados econômicos para esconder a extensão da crise. De 2000 a 2009, a inflação atingiu níveis astronômicos, chegando a mais de “79,6 bilhões por cento” em novembro de 2008, segundo estimativas independentes (não sei como é possível). No entanto, o governo frequentemente atrasava ou ocultava a publicação dos dados oficiais. A falta de transparência tornou quase impossível obter uma imagem precisa da economia durante esse período.
Dessa forma, não estamos falando que há evidências concretas de alteração dos dados do IBGE, que é uma instituição de grande respeito histórico, mas a mudança da gestão, as críticas do staff e a própria dificuldade de entender alguns dados divulgados deixa, no mínimo, a pulga atrás da orelha. Será necessário olhar em conjunto outros benchmarks privados para garantir que não tomaremos bola nas costas.
Se nos atermos apenas a compra de supermercado e feira (sem incluir outros gastos que chamamos de inflação pessoal) chegaremos a conclusão que a inflação real passa longe de 4% É só ter uma planilha Excel com dados detalhados mes a mês que se comprova esse dado