Jorge Ben Sempre Esteve Certo
Imagine que você faz parte de um dos 33 milhões de brasileiros que são descendentes de italianos e que encontrou o diário de um dos seus bisavós, que veio do norte da Itália, contando como era a vida no velho continente.
Provavelmente, o enredo deve ser algo como: trabalho na roça, com longas jornadas de trabalho e uma certa angústia quanto à colheita e se haverá alimento suficiente para o inverno. O inverno, inclusive, é uma preocupação corrente no diário do nono ou da nona: a neve costuma cobrir os campos, “queimar” o que resta da plantação e deixar o ambiente congelante.
Por isso mesmo, os outros meses do ano são dedicados a se preparar para o inverno.
Depois de várias secas, períodos de fome e uma guerra que tomou a Europa toda, seu nono ou sua nona resolveram deixar o velho mundo e partir em busca de novas oportunidades.
Ouviram falar de uma terra distante chamada Brasil, onde poderiam continuar trabalhando na lavoura e onde o inverno não era tão frio e a terra era muito produtiva. Juntaram as poucas economias que possuíam, colocaram os pertences em uma malinha e pegaram o trem com destino a Gênova.
De lá, pegaram o primeiro navio que partia rumo ao Brasil. Depois de muitos dias de viagem, desembarcaram no porto de Santos, onde rapidamente conseguiram um emprego no interior do estado de São Paulo, trabalhando na lavoura de café.
Fast forward algumas décadas, o neto ou neta dela hoje trabalha no Condado: acorda com a Alexa tocando sua música favorita, em um Studio nos arredores da Faria Lima e em um ambiente agradavelmente configurado para os 18 graus (afinal, dormir num friozinho é bom demais).
Dos cafezais e das mãos calejadas que colhiam o ouro verde do Brasil, só a cápsula de café, que faz a bebida enquanto você agarra o pão que sai quentinho da torradeira. Dia que já começa corrido, veste-se correndo, escova os dentes, tira o celular do carregador e coloca o airpods (que ficaram carregando a noite toda) para malhar.
Depois, escritório: passar o dia todo em frente a tela do computador, atendendo telefonema de clientes e respondendo e-mails de projetos em andamento. Claro, tudo à temperatura civilizada de 24 graus.
Um dia mais ou menos comum na vida de um Faria Limer, rotina bem diferente da rotina que tinha o nono ou a nona. Fruto do avanço na escolarização e do progresso tecnológico. Mas, também, fruto da redução no custo da energia.
Sim, isso mesmo: o mundo como vivemos hoje não seria possível se não tivéssemos inventado/descoberto fontes de energia baratas, que permitiram não só levar aquecimento para as casas, energia para eletrodomésticos essenciais ao dia a dia como também energia para carregar seu smartphone que você não vive sem e também as caldeiras das usinas siderúrgicas que produzem o aço desses eletrodomésticos “essenciais”.
Talvez você só sinta a importância da energia quanto está com o celular desligado e não acha onde carregá-lo.
Coisas tão banais que chegamos a esquecer a importância, não é mesmo?
Pois é. E é por isso mesmo que a situação atual da Europa causa espanto em muitos (mas não em todos): o continente está caminhando para uma crise energética. Uma mistura de pressões sociais momentâneas com riscos políticos mal calculados com eventos de cauda motivados por uma guerra.
Tudo (ou quase tudo) começou em 2011, com o acidente na usina nuclear de Fukushima, no Japão: um forte tsunami (o maior já registrado na história do Japão) levou ao derretimento de três dos seis reatores da usina nuclear, levando a um desastre que só pôde ser comparado ao desastre de Chernobyl.
Apesar da rápida ação do governo japonês, o incidente deu força à um movimento que já ocorria na Europa, de mudança na matriz energética de combustíveis fósseis para fontes renováveis.
Marcadamente, desde os anos 90, o movimento verde foi marcando espaço no parlamento europeu, defendendo a bandeira de fontes energéticas renováveis e mais limpas.
O principal inimigo: combustíveis fósseis, baratos porém poluentes. Fazia sentido, segundo os estudiosos: os indicadores climáticos apontavam para o aquecimento do planeta Terra, evidenciado pelo derretimento das calotas polares e de eventos climáticos cada vez mais severos.
A rica e poderosa Europa não poderia fechar os olhos para isso: algo deveria ser feito e o exemplo deveria começar em casa. Diversos acordos, intra-continental e globais, foram feitos no sentido de fomentar energia renovável e reduzir o uso de combustíveis fósseis.
As alternativas? Biomassa, energia solar, hidrelétrica e eólica, principalmente. A energia nuclear era uma alternativa indesejada, uma filha bastarda: não era combustível fóssil, mas tinha diversas características que faziam com que olhassem torto para ela.
Mesmo assim, a França, por exemplo, tem quase 70% de sua energia gerada por usinas nucleares (sendo que exporta parte da energia que gera).
Conhece Itaipu? Não? Pois devia: 11% da energia do Brasil vem de lá
Após Fukushima, ganharam força na Europa movimentos contra a energia nuclear: em 2017, por exemplo, a Suíça fez um referendo popular em que 58% da população votou por encerrar as atividades nucleares do país. E foi assim em diversos países do velho continente.
Unindo as duas vertentes, a pró-energia renovável e as contra energia nuclear, o orçamento da União Europeia passou a ser direcionado à pesquisa e à adoção de fontes renováveis. Além disso, diversos acordos e tratados foram feitos e executados no sentido de encerrar a utilização de energia nuclear.
A Bélgica, por exemplo, tem 40% da sua matriz energética em energia nuclear, mas pretende fechar quase a totalidade de suas plantas nucleares até 2025. Um dos pioneiros na direção da energia verde: a fábrica da Europa, a toda-poderosa Alemanha.
Mas, enquanto as novas fontes renováveis não eram desenvolvidas e/ou não eram eficientes o bastante para gerar toda a energia que a Europa precisava, uma velha conhecida ganhou espaço: a Rússia, com seu gás natural passou a aquecer mais e mais os lares europeus.
Tudo muito lindo, tudo muito bem até que a Rússia resolve entrar em guerra com sua vizinha Ucrânia, gerando comoção mundial e com os europeus pedindo que seus governantes intercedessem pela Ucrânia. De início, foram alguns embargos econômicos contra a Rússia (que os estudiosos ainda têm dúvida sobre seus efeitos líquidos), até que o Kremlin resolveu aumentar o tom e ameaçar cortar a oferta de gás natural, fazendo com que a possibilidade de que a opulenta Europa passe frio seja real.
Através da gigante estatal russa Gazprom, diversos “reparos” no Nord Stream 1 (a tubulação que leva o gás da Rússia para a Europa) passaram a ocorrer, o que de fato significou o corte no fornecimento de energia para o continente.
A consequência? Várias. Talvez a mais marcante seja a inflação galopante no velho continente, fruto do aumento do custo de produção dos bens devido ao aumento no custo de energia. O futuro e as consequência? Só Deus dirá. Mas, enquanto isso, nós só conseguimos nos lembrar do bom e velho Jorge Ben: “moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, mas que beleza!”.
Além dos nossos invernos não serem tão rigorosos quanto os da Europa (embora os curitibanos discordem), nossa matriz energética é menos dependente de forças políticas externas: 65% vem da hidrelétricas, gás natural (9,3%), eólica (8,6%), biomassa (8,4%), carvão e derivados (3,3%), nuclear (2,5%), derivados do petróleo (2,0%), solar (1,0%). Ainda dependemos do regime de chuvas? Ainda dependemos do regime de chuvas. Mas é bem melhor rezar para São Pedro do que depender da boa vontade de um maluco que caçar urso e fazer guerra de vez em sempre.
Frase da Semana
"Pessimista é aquela pessoa que reclama do barulho quando a oportunidade bate à porta."
Michael Levine, escritor americano.
Tópicos de Economia e Mercado
Semana de muita volatilidade e pouco amor nos mercados. Mais uma vez todo mundo ficou esperando a sonhada sexta-feira, mas não por causa do FDS, mas sim por causa do payroll. Claro, antes disso tivemos vários dados, como a própria inflação na Zona do Euro, que subiu para incríveis 9,1% e já fez o mercado ficar de cabelos em pé e com o juro na mão. O ECB vai ter que dar uma paulada no juros nesta semana, do contrário, a nossa vida como brasileiro vai ficar muito fácil para quem quiser viajar para a Europa (euro vai que vai).
Para piorar, os russos fecharam o canal do gás mais uma vez, mas a história tem ficado tediosa e todo mundo sabe que essa crise de energia vai pegar para valer no final do ano. Toda vez que for tomar banho, agradeça, pois algum alemão não vai conseguir no final do ano. O mais legal será a França perdendo a final da Copa para o Brasil e o Mbappe passando frio depois em sua volta para a casa.
Nos EUA o clima é quente, muito quente, mas na economia. O ISM industrial deu uma pancada para cima e mostrou que o setor de bens não está desacelerando como todos imaginavam. O Payroll acabou por vir em linha, o que até fez a turma comemorar um pouco nos mercados, mas depois qualquer um parou para pensar e: “315 mil vagas ainda é coisa para caramba”, ainda mais em uma semana em que o JOLTS voltou a elevar o número de vagas abertas para desempregado (praticamente 2). Os membros do Fed olharam essa brincadeira e não estão pensando se surpreendeu o mercado ou não, mas apenas que o mercado de trabalho ainda está mais apertado do que eles gostariam. Vem porradaria por ai.
Na China o negócio também não está mais bonito. Lembra do Covid? Sim, o mundo todo ainda tem casos e mortes, o que é trágico, mas aprendemos a conviver com ele aqui no Ocidente. Os caras ainda estão fazendo lockdown até hoje, dessa vez são 21 milhões de cabeças trancadas em casa. Não há economia que sustente. E para piorar, a situação do setor imobiliário não melhorou, então quer dizer que o vento de China para o Brasil ainda não continuará sendo bom.
Já o Brasa, ah, o Brasa. Além de estarmos esperando ansiosamente a Copa e também as eleições, continuamos surpreendendo. A economia continua crescendo - claro, na base de muito estímulo, gasto e drible no ex-teto dos gastos - e gerando inflação. PIB do segundo trimestre surpreendeu positivamente e está catapultando o crescimento do ano para mais próximo de 3% do que de 2% e também deixando um vento mais favorável para 2023. O gringo ainda olha como bolhos por aqui, e deveria, mas vamos ver como suportam a barulheira que vai rolar junto com a eleição. Continuo pessimista e comprado, como sempre.