Muito além da Fibonacci
Provável que, se você tem algum conhecimento de ações e análise gráfica, deve conhecer bem o nome “Fibonacci” do título. Mas, se não conhecer, pode forçar um pouco a memória e se lembrar das aulas de matemática da escola, quando te ensinavam a sequência de Fibonacci e te davam o famoso exemplo do casal de coelhos e o número de filhotes para exemplificar sequências.
Diferente de outros sobrenomes italianos famosos na ciência — nomeadamente os Bernoulli, que na verdade eram uma série de matemáticos e físicos parentes — Fibonacci diz respeito à uma pessoa apenas e todos os exemplos acima (e outros que possa ter ouvido por aí) dizem respeito à mesma pessoa: Leonardo de Pisa ou, mais comumente, Leonardo Fibonacci. O Liber Abaci, publicado em 1202, é sua obra mais importante e considerada por muitos o pilar fundamental que permitiu o desenvolvimento das finanças na Europa e no mundo. A história da sequência de número de coelhos ou aquele desenho geométrico representando a sequência são apenas a parte mais popular de um trabalho que possibilitou o desenvolvimento de títulos perpétuos e cálculo de fluxos de caixa descontados. Mas, para explicar isso, precisamos explicar de onde Leonardo desenvolveu suas ideias
Origem Comercial
Fibonacci nasceu em uma Europa medieval que caminhava para seu Renascimento e dividida em cidades isoladas. Teve a “sorte” de nascer no centro comercial europeu: cidades italianas como Veneza, Gênova e Florença eram os pontos de contato e comércio do Velho Continente com o resto do mundo.
Seu pai foi funcionário administrativo de uma colônia de Pisa no Norte da África, Bugia, atualmente na Argélia. O intenso contato com os problemas diários do comércio e também o contato com a cultura dos outros comerciantes, fizeram não só com que Fibonacci identificasse problemas do dia-a-dia comercial que precisavam de uma solução, como também ferramentas de outras culturas que poderiam ser utilizadas em seu trabalho. Nomeadamente, os algarismos arábicos (frente ao romano, que naquele formato de “letrinhas”, tornavam os cálculos mais complicados e lentos por si só — tente multiplicar LXII por XXXVIII e entenda o que estamos falando…).
Problemas da Vida Real
Os problemas que o pai de Fibonacci — e o próprio Fibonacci, já que ele seguiu a carreira do pai, nas horas vagas desempenhando seu hobbie matemático — enfrentava era do tipo: definir o preço de um denário de soja em relação ao preço de liras de couro (denário, soldi e lira era unidades de medida base naquela época). Com seu retorno à Pisa, outras questões financeiras também precisavam de uma solução matemáticas como, por exemplo:
As explorações comerciais eram financiadas por grupos de investidores que exigiam uma parte do lucro da expedição e dependiam do risco e da duração da viagem, levantando questões de risco versus retorno e de taxa de juros;
As trocas comerciais eram realizadas em moedas de diversas cidades (não havia uma moeda unificada — Euro e padrão-dólar são luxos do século XXI), o que levantava a necessidade do cálculo cambial;
Notas comerciais que pagavam juros periódicos eram usadas como moeda de troca em negociações, e o conceito de valor do dinheiro no tempo era de conhecimento dos comerciantes, mas a precificação era algo de mais difícil implementação.
Os comerciantes que não conseguiam calcular o valor relativo do açafrão e da pimenta no mercado – ou talvez só pudessem fazê-lo aproximadamente, ou com alguma dificuldade – estavam em extrema desvantagem no comércio e na negociação. Assim como investidores institucionais hoje usam modelos quantitativos sofisticados para calcular rapidamente o preço relativo de dois títulos lastreados em hipotecas e, em seguida, usam esses cálculos para estabelecer uma posição longa ou curta se detectarem um erro de precificação, os comerciantes da época de Fibonacci também tinham a necessidade de “acertar” o preço.
O Manual das Finanças
O Liber Abaci publicado em 1202 e conta como uma segunda edição, além de manuscritos que apontam que a obra era um trabalho permanente. Assim como todo livro de matemática financeira, basicamente era composto por exemplos do dia-a-dia.
Filme “O Mercador de Veneza”, de 2004: não tem nada a ver com Fibonacci, mas tem a ver com o comércio nas cidades italianas renascentistas. E com o genial Al Pacino. Recomendamos.
O famoso problema da série de Fibonacci é colocado no final do Capítulo 12 – não como parte de uma série de problemas relacionados, mas incluído após um problema sobre encontrar números iguais à soma de seus fatores, e antes de um problema de álgebra sobre quatro homens com dinheiro. A contribuição do Liber Abaci para as finanças foi muito além do seu exemplo mais anedótico: o livro deu ferramentas necessárias ao cálculo de fluxo de caixa e valor presente de uma série de pagamentos. Vejamos um exemplo do livro:
“Um homem colocou 100 libras em uma certa casa [bancária] por 4 denários por libra por mês de juros e ele recebeu de volta a cada ano um pagamento de 30 libras. Deve-se calcular em cada ano a redução de 30 libras do capital e o lucro sobre as referidas 30 libras. Procura-se quantos anos, meses, dias e horas ele vai guardar dinheiro em casa...
A solução o leitor hoje consegue fazer em poucos minutos, mas em 1200, o cálculos poderia levar horas, senão dias.
Embora a matemática das taxas de juros tenha uma história de 3.000 anos antes de Fibonacci, sua forma de exposição do problema e desenvolvimento do desconto multiperíodo é um salto gigantesco em relação aos seus antecessores.
Teoria e Prática: influência mútua
Os estudiosos questionam se as ferramentas matemáticas de valor presente foram importadas para a Itália junto com letras de câmbio e algarismos arábicos e se a inovação tecnológica de usar letras de câmbio como títulos de dívida (chamados de “câmbio seco” pelos praticantes medievais) estimulou o trabalho matemático sobre o valor do dinheiro no tempo. Com toda a probabilidade, foi uma interação fértil entre o comércio e o avanço matemático, e Leonardo de Pisa estava em seu centro geográfico e intelectual.
Frase da Semana
"Impaciente com ações, paciente com resultados."
Naval Ravikant.
Tópicos de Economia e Mercado
A inflação americana relembrou o mercado nesta semana que o amor acabou. Mais um número bem acima do esperado e o pulo que a curva de juros acabou punindo todos os crentes e os descrentes no Fed. O pensamento agora é: tomara que o juro para “apenas” no 4,5%. Mas fique tranquilo, ficaremos muito bem aqui, obrigado, brigando pela nossa eleição. Já disse algumas vezes nesses nove meses de 2023, o mercado ainda não entendeu o real problema da inflação americana. Enquanto acharem que é apenas um choque de commodities ou que é fácil trazer de 4% para 2%, vai tomar “bola nas costas”.
Por outro lado, poderia ser pior. Os EUA poderiam ser uma Itália da vida. Quebrada, perderam o melhor PM que poderiam ter e agora vão levar algum(a) maluco(a), seja de esquerda ou direita, que vai acabar ainda mais com a situação fiscal e eventualmente até começar uma discussão de saída da Zona do Euro. Capaz de em um futuro, aquele paulistano chato que adora falar que é italiano virar o primo rico da família, no relativo. Ah, claro, assim como os alemães, a galera lá também vai tomar banho frio no final do ano.
Num passado recente as pessoas discutiam uma possível japonização da Europa, com baixa taxa de crescimento, baixo juros, baixa inflação e queda na demografia. Acho que faz mais sentido pensarmos numa america-latinização da Europa. Alguns países até já “hablam” por lá e o latim nos une eternamente, então já tem um belo caminho andado.
Já a nossa amiga China continua na briga com o Covid e com a crise imobiliária. Acho que essa história irá durar facilmente até o final do ano. A cada dia que passo eu vejo mais gente aqui no Brasil ficando otimista com China. Nós vimos isso em setembro de 2021, em março de 2022 e em julho de 2022. Estamos vendo mais uma vez. Sempre há uma narrativa, sempre há uma possibilidade de surpresa, uma política que vem sei lá aonde. A bola da vez é o tal do congresso chines dia 18 de outubro, que quem olha no detalhe, sabe que não vai virar em nada de mudança de política de Covid esse ano. Mas essa é uma conversa para um outro café.
Bom, sobrou o Brasil. Ainda acho que o Brasil consegue, no relativo, estar com menos zona em relação ao seu passado do que os outros países. A gente sabe performar no meio do caos. Tem uma frase boa que Bane fala para o Batman: “Então você acha que a escuridão é a sua aliada? Você só adotou ela, eu nasci nelas, fui moldado por elas”. Os gringos estão relembrando da inflação, nós nascemos dela. Não por acaso ainda somos o único país relevante tendo revisões positivas de crescimento mesmo com um juro real na Lua. Isso quer dizer que vai dar dinheiro? Hmm, é outra história. Eu ainda gosto de ser pago para esperar e o Brasil é campeão nisso. Enquanto a indústria estiver tomando saque do passivo, não quero ficar pesado não e ainda sigo perto da porta. Não quero ficar na frente de flow nem do Fed. A vantagem de não ter cota na física é que não tem problema em underperformar o mercado caso a virada venha antes do esperado.