Na Mitologia, Ícaro era filho de Dédalo, um arquiteto que acreditava ser o melhor da Grécia, mas que por invejar um sobrinho seu que vinha crescendo como inventor acabou o matando e sendo expulso de Atenas junto com seu filho. Ambos foram morar na Ilha de Creta, onde o famoso Rei Minos governava.
Em Minos, Dédalo arquitetou o famoso Labirinto, mas isso, posteriormente lhe custou a liberdade, já que Dédalo conhecia o segredo do Labirinto e o rei Minos temia que Dédalo o traísse e compartilhasse o segredo com seus inimigos. Para evitar que isso acontecesse, Minos prendeu Dédalo e seu filho, Ícaro, em uma torre bem alta.
Presos na ilha de Minos há anos, Dédalo decide fugir com seu filho e construiu asas feitas de cera de abelha e penas de gaivota, para que imitassem os pássaros e conseguissem voar para longe da ilha. Dédalo, porém, avisou Ícaro de que não podia chegar muito perto do sol, para que a cera não derretesse, assim como não devia se aproximar do mar, para que água não molhasse as penas.
O jovem Ícaro, porém, fascinado com seu novo poder de voar junto às aves em meio aos céus, esqueceu dos conselhos do pai e acabou voando alto demais, chegando mais perto do sol. Suas asas derreteram, como avisara seu pai, e Ícaro caiu no mar e teve um fim trágico.
Assim como Ícaro, somos nós – meros mortais que ganham a vida vendo os gráficos coloridos em várias telas – ao não seguir às prescrições mesmo sabendo que elas são as melhores para nós, nossa falha em ter autocontrole. Uma trava de alta que resolvemos ignorar só um pouquinho, porque a operação está dando certo e da última vez que você burlou sua regra pessoal acabou tendo um lucro maior do que o esperado. Ou então a trava de baixa, já que você aprendeu a lidar com a ansiedade das cifras em vermelho na tela.
Não seja como Ícaro
E foi pensando justamente nessas “escapulidas”, nesses desvios do que nós prometemos fazer e não fizemos, que alguns pesquisadores europeus resolveram testar se, realmente, essa nossa falha em resistir a certos comportamentos e impulsos na busca de objetivos tem a ver com a forma como investimentos. A falta de autocontrole poderia levar os investidores a buscar retornos ou oportunidade de curto prazo em oposição a aderir a uma alocação de ativos de longo prazo
E como os pesquisadores fizeram isso? Com uma ideia bem simples, na verdade: eles identificaram o tabagismo como um exemplo dessa falha de autocontrole. Isso porque a evidência médica mostra como fumar faz mal ao corpo no longo prazo e, mesmo assim, muitas pessoas continuam com seu cigarrinho. Tivéssemos autocontrole total, idealmente, não fumaríamos.
Charline Uhr, Steffen Meyer e Andreas Hackethal analisaram o comportamento de negociação de ativos de cerca de 3,5 mil fumantes e cerca de 10 mil e não-fumantes alemães ao longo de seis anos, entre 2012 e 2018 e tiveram o cuidado de separar os indivíduos por nível de escolaridade e sofisticação financeira, idade, estado civil, dentre outras características que poderiam enviesar os resultados. Após as análises, encontraram alguns fatos interessantes.
O primeiro foi que, utilizando o hábito de fumar como proxy para a falha de autocontrole, encontram que fumantes tem um maior número de trades: o número de meses com trades aumenta significativamente em 1,34% (0,16 meses) por ano para investidores que fumam (aumento relativo de 4,15%) em relação aos investidores que não fumam.
Além disso, o volume negociado é maior: para mesmos níveis de portfólio, fumantes tinham um aumento de 288 euros em relação ao tamanho médio de transações de 3.551 euros, sendo seus trades médios em 3.839 euros, condicional a ser um mês com trades.
A rotatividade do portfólio do grupo dos fumantes também foi alta: o giro mensal da carteira de fumantes é 0,57% maior que o de não-fumantes (6,45% para 7,02%, aumento relativo de 8,8%).
E se esse estilo mais frenético representou maiores ganhos? Na verdade, não. A falha de autocontrole é cara, e os fumantes têm uma diferença de 1,76% maior entre os retornos brutos e líquidos por ano do que os não fumantes. Ou seja, essa rotatividade maior da carteira está gerando custos maiores, mas sem os devidos retornos
A falha no auto controle se observa em outras tendências de investimentos: clientes com falha de autocontrole estão dispostos a economizar dinheiro, mas falham em manter seus planos de poupar e quando têm a oportunidade de sacar o dinheiro investido.
Os autores encontram que a falha no autocontrole exacerba esses outros vieses: excesso de confiança, contágio social, busca de sensação ou chamar a atenção. A ideia é simples: se você tem dificuldade a resistir a um cigarrinho, também tende a ter dificuldade a resistir a jogar na loteria ou então a investir em ações que se comportam como bilhetes de loteria (preço baixo para um retorno potencial alto).
A primeira parte do título agora você já entendeu: não sejamos como Ícaro e tentemos manter o combinado que fazemos com nós mesmos. Tenhamos autocontrole.
Sobre os filmes, eles mentiram para você quando retratam o mundo dos investimentos como um mundo de festas, algazarras e outros itens proibidos pela legislação oficial. Os “vencedores” nessa indústria tendem a ser bem o oposto disso: uma rotininha fixa, uma disciplina espartana, e bem menos agitação (e trades) do que você imagina.
Frase da Semana
É melhor ser pessimista que otimista. É porque o pessimista fica feliz quando acerta e quando erra.
Millôr Fernandes
Economia e Mercado
Semana tranquila, apenas mais um carrossel de emoções. Enquanto o mercado estava tentando descobrir qual o tamanho do objeto fálico no ambiente de pequenos e médios bancos americanos, mais uma baleia aparecendo boiando. Na verdade ela já estava meio boiando, mas agora começou a feder. O Credit Suisse foi a bola da vez e deixou um sinal de alerta que o sistema financeiro global pode sofrer de problemas completamente diferentes e em momentos de fragilidade, o apetite por ignorar tais problemas diminui. O Fed também precisa dar uma mensagem de suporte nesse momento, mas também subir juro, reflexo de uma inflação elevada e mercado de trabalho apertado.
Ainda assim, o BCE deu uma aula na semana ao tentar passar tranquilidade ao mercado, reforçando que o sistema financeiro europeu está mais forte que 2008 e que o caso do CS não reflete a situação dos demais (e o Deutsche?). Subiu 50 bps e falou grosso, reforçando que não há dissociação entre a luta contra a inflação e a estabilidade financeira e que, caso o cenário base se concretize, há espaço para mais juros.
No meio desse tempo todo mundo esqueceu a China. O país divulgou dados fortes ao longo da semana, reforçando que a reabertura está sendo resiliente nos primeiros meses do ano e que há mais por vir. Mas como há muita incerteza no Ocidente, quem quer pensar num mercado emergente problemático?
O mesmo vale para o Brasil. Enquanto o governo não apresentar o plano fiscal, esquece, ninguém vai apertar o gatilho da compra. Vários whispers que alguns economistas chefes de banco já tiveram acesso, assim como presidente de instituições monetárias e que não parece “that bad”, mas quem sabe né? O Brasil é acostumado a surpreender aos 45’ do segundo tempo, então. Talvez essa semana prometa nesse sentido, com o governo chamando o COPOM para a dança e esperando alguma sinalização por cortes de juros - o que não deve acontecer. O caldeirão vai fever, com bancos centrais aqui e lá fora.