Teoria dos Contratos é uma área do conhecimento que procura o melhor design para contratos entre as partes, de forma que eles sejam o mais completo possível dada a informação assimétrica entre as partes e sirvam para resolver querelas que possam, porventura, acontecer no meio do caminho.
Apesar do nome, não necessariamente precisa de um “contrato” para ser um objeto de estudo dessa área do conhecimento: ao andar de bicicleta pela rua ou comprar um lanche no final da balada, estamos pactuando contratos. Os contratos não precisam ser escritos, mas tem princípios: os sociais (previstos em lei) e os tradicionais (fruto da vivência e da tradição).
O interesse nessa área reside justamente na assimetria de informação: quando eu vendo um lanche para você no final da balada, eu sei a qualidade da comida que estou servindo, mas você não sabe. Ao comprar o dogão, admito que a qualidade seja boa e o consumo.
Na nossa estrutura social, a vigilância social faz o papel de monitor de qualidade dos produtos (isto é, se houver denúncias de intoxicação alimentar, por exemplo cabe a autoridade inspecionar o local e, no limite, fechá-lo), enquanto que os órgãos da justiça fazem o papel de árbitro do caso.
É justamente essa assimetria de informação um dos elementos que justificam a existência do Fundo de Garantidor de Créditos (FGC) nas operações de CDB (e de outros ativos, como as LCI e LCA): ao comprar um CDB, a instituição emissora sabe o estado em que encontra a sua saúde financeira, mas você, comprador não sabe (embora existam alguns indícios, como falaremos a frente).
Aqui, você já deve estar cansado de saber (ou deveria): o FGC é uma instituição privada sem fins lucrativos, criada em 1995 dentro de um contexto de reforma do sistema financeiro a fim de torná-lo mais robusto a crises (aqui, vale um caveat: a reforma foi bem sucedida e hoje o sistema bancário brasileiro é um dos mais robustos do mundo – embora não sem custos).
O FGC é mantido com fundos das instituições participantes e quando surge um evento previsto no seu regimento, atua em favor dos investidores que são credores das instituições que fazem parte do fundo.
É daí que vêm o famoso “até 250 mil reais por CPF e por instituição eu não perco”: pela lei, sob algumas condições, caso o conglomerado emissor do CDB tenha problemas de liquidez e/ou quebre, o FGC cobre as perdas dos credores em até R$ 250 mil. Mas não é tão simples assim e algumas considerações precisam ser feitas.
Primeiro – e o mais importante – é que nesse montante de R$250 mil a serem reembolsados, devem ser descontados os impostos. Sim, meus caros: o governo tem prioridade no recebimento dos seus impostos. Depois dele, vem vocês: pagos os impostos, o que sobrar desses R$250mil, é seu.
Segundo, a justificativa da existência: o FGC existe para auxiliar na saúde financeira do país.
Dadas as diversas relações de crédito entre as muitas instituições financeiras (IFs) existentes, a quebra de uma IF pode impactar outra IF de forma a criar um efeito em cascata (quem lembra da crise de 2008?). Por isso, o FGC cobra um pedágio mensal dessas IFs, para ser utilizado caso uma delas venha a precisar de socorro.
Por fim, um indício: se pensarmos no papel que o CDB exerce para uma IF – ser fonte de liquidez para que a instituição realize suas operações – um valor muito alto pago por um CDB pode deixar de ser visto como interessante e passa a ser visto como um risco. Pensa comigo: o dinheiro que uma IF capta em CDB é utilizado para ser emprestado para terceiros, como empresas, por exemplo.
Posto de uma forma simplificada: se uma IF está captando a 130% do CDI, ela deve emprestar a pelo menos 130% do CDI para não sair no prejuízo – mas que empresa vai tomar empréstimo a 130% do CDI quanto tem outras IFs no mercado oferecendo a muito menos?
Sabemos que o mercado está oferecendo empréstimos a muito menos quando olhamos o quanto outros CDBs estão sendo emitidos no mercado – a taxa representa, mais ou menos, o custo de funding privado das IFs. Ou seja: se para você a taxa do CDB representa um retorno, para o órgão emissor ele representa seu custo de financiamento. E daí você deve se perguntar sempre quando aparecer uma oportunidade “tentadora”: porque o custo de financiamento dessa instituição está tão alto? O que outros players do mercado estão vendo que eu não estou?
Isso porque, antes de tentar se financiar com pequenos investidores, as IFs tentam se financiar no mercado interbancário. E talvez essa oportunidade tentadora que você esteja vendo, seja, na verdade, um risco iminente. Nem tudo que reluz é ouro – mas você, espertão, sempre vai se achar no lucro de aplicar nesses ativos…
Imagens que contém som: O saudoso Bamerindus também precisou do FGC
Nas últimas semanas tivemos um caso de acionamento do FGC por problemas financeiros na entidade emissora.
E, nesses quase 30 anos de funcionamento, cerca de 40 casos semelhantes, em que as IFs sofreram intervenção e o FGC ressarciu os investidores. Para um sistema financeiro do tamanho do brasileiro, até que é um número OK.
Dos casos do FGC, talvez o mais famoso seja o Bamerindus, o banco que ficou na memória dos brasileiros pela propaganda de sua caderneta poupança (o tempo passa, o tempo voa…). Na década de 90 o mundo sofreu várias crises financeiras, e no Brasil não era diferente.
Numa dessas crises, e após a quebra de outro banco (o Econômico), especulou-se sobre a saúde do Bamerindus, que já sofria com a baixa liquidez. Isso levou à fuga de seus investidores e à falta de confiança do mercado, levando à quebra do banco, de fato. No setor bancário, confiança e credibilidade é tudo. Mas isso é “causo” pra outra Carta… Bom domingo!
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O capital é como água. Sempre flui por onde encontra menos obstáculos.
Delfim Netto
Gosto muito do conteúdo: super bem explicado, sério e divertido ao mesmo tempo. Só acho pena que sempre tem uns errinhos de gramática.