O Comandante Com a Lanterna Na Popa
Reuniões de família podem ser intensas, mas para Roberto Campos Neto (ou RCN, para os mais íntimos), era quase um seminário econômico. Imagine crescer ouvindo debates sobre o Brasil grande e o liberalismo de mercado entre a sobremesa e o cafezinho. Seu avô, Roberto Campos – o famoso "Bob Fields" – não era apenas um defensor ferrenho do livre mercado; ele foi ministro do Planejamento e também um pensador metódico que acreditava em disciplina fiscal e visões de longo prazo. Esses temas, sem dúvida, deixaram marcas profundas em RCN.
Bob Fields foi uma figura importante na história econômica brasileira - além de ter nos deixado muitos memes
Ao longo da carreira, Campos Neto parece ter herdado o pragmatismo do avô e adaptado esses princípios ao cenário moderno. Enquanto o avô trabalhava para abrir a economia brasileira em tempos de forte intervencionismo, lidando com os desafios de industrialização e integração comercial nas décadas de 1960 e 1970, o neto utilizou tecnologia e inovação para quebrar barreiras no sistema financeiro. Foi como se ele pegasse a "lanterna na popa" e a transformasse em holofotes digitais.
E não foi só na família que seu talento foi reconhecido. RCN recebeu, por três anos consecutivos, o prêmio de melhor banqueiro central da América Latina e Caribe pelo LatinFinance. Uma tríplice coroa que destacou sua habilidade técnica em um cenário de desafios globais e regionais.
Antes de comandar o Copom, RCN estava desbravando a tesouraria do Santander. E se você acha que tesouraria é só glamour, pregão eletrônico e 8 telas do terminal Bloomberg, lembre-se: ele precisou aprender a equilibrar risco e retorno enquanto o mercado oscilava entre crises cambiais e a ressaca do subprime. RCN viu o famoso “cavalo de pau” da Selic, o Joesley Day, a crise do subprime e mais uma cacetada de eventos que são como um soco no estômago quando você está operando no mercado financeiro. Essa experiência moldou sua habilidade em tomar decisões rápidas – como cortar a Selic para um histórico 2% durante a pandemia.
Mas essas são cenas que já vão para a memória brasileira: RCN está pendurando as chuteiras e passando o bastão (ou seria a batata quente?) para Gabriel Galípolo. Se a gestão de Campos Neto fosse uma série, o episódio da pandemia seria o season finale. Enquanto todos estavam em home office tentando não enlouquecer no Zoom, ele teve que lidar com um tsunami econômico. A solução? Cortes agressivos de juros e medidas para garantir liquidez no mercado – você pode não concordar com tudo, mas é difícil negar que ele foi rápido no gatilho. E mesmo com algumas críticas sobre os efeitos de longo prazo dessas políticas, ele conseguiu evitar um colapso mais profundo. O BC virou uma espécie de bombeiro financeiro, jogando água fria nos mercados histéricos.
Mas nem tudo foi apagar incêndios: se Campos Neto tem um "troféu" em sua prateleira, ele se chama Pix. Rápido, barato e eficiente, o sistema de pagamentos instantâneos virou o queridinho de todo brasileiro. A implementação não foi só um golaço de inclusão financeira; foi também um movimento estratégico que colocou o Brasil à frente de várias economias desenvolvidas no quesito inovação bancária. Em outras palavras: enquanto muitos bancos centrais ainda estavam discutindo blockchain no PowerPoint, ele já entregava soluções concretas.
O Pix já é o meio de pagamentos mais utilizado no Brasil (Fonte: BCB em dezembro/24)
Campos Neto também mostrou que não tem medo de pisar em terrenos desconhecidos. Ele foi um dos principais nomes por trás do Drex, a moeda digital brasileira, criada para modernizar as transações financeiras e abrir portas para uma nova era de inclusão econômica. Seu entusiasmo por inovações tecnológicas não se limita ao ambiente local: ele já manifestou simpatia pelo Bitcoin e outras criptomoedas, destacando seu potencial para transformar mercados globais. Um banqueiro central flertando com o criptomercado? Nada mal para um setor acostumado à rigidez das notas e moedas tradicionais.
Outro marco de sua gestão foi o avanço do Open Finance, que transformou a forma como os brasileiros gerenciam suas finanças. A iniciativa permitiu que consumidores tivessem maior controle sobre seus dados financeiros, promovendo competitividade entre bancos e beneficiando o usuário final com melhores produtos e serviços. Além disso, o Open Finance consolidou o Brasil como referência global em inovações no setor financeiro.
A saída de Campos Neto ocorre em meio a alta histórica do dólar, uma espécie de despedida dramática digna de novela ou da despedida de um personagem importante em meio ao clímax de um filme de Hollywood: entre tensões fiscais e incertezas políticas, ele deixou o palco com os mercados internacionais de olho no Brasil e o real pedindo reforço no banco de reservas. Ainda assim, a transição entre presidentes foi relativamente suave, e sua contribuição para a estabilidade macroeconômica não pode ser ignorada. Em tempos de volatilidade, ter uma figura técnica e experiente foi um alívio para muita gente.
Talvez, olhando para trás, sintamos falta de sua mão firme e da capacidade de modernizar estruturas em tempos de caos. Afinal, até o barulho do pregão sente falta de uma liderança confiante quando o mercado está à deriva. Enquanto isso, esperamos sinais de Brasília sobre a responsabilidade fiscal e torçamos para o desfalecido Real brasileiro.