As redes sociais têm esse poder de viralizar lendas urbanas e quando isso se encontra com a ânsia pelo saudosismo, dá nisso: o amor e devoção que a rede social – homens que utilizam rede social, mais especificamente – pelo Império Romano. É um “por Roma” por aqui, uma frase de Marco Aurélio pra lá no meio de um bando de gente tentando te vender curso de “estoicismo para aumentar sua resiliência e produtividade”.
E já que “o povo da internet” resolveu falar de Roma, vamos aproveitar e puxar a sardinha pro nosso lado, aproveitando que a Selic voltou ao patamar de 2014: o poder destrutivo da inflação.
Sim, ela mesma, senhoras e senhoras: o monstro no armário, o pé-na-bunda invisível que chuta os mais pobres pra lá da linha da pobreza, a vilã que por vezes é aliada do todo-poderoso governo. Dizem as más-línguas que foi ela mesmo que foi corroendo lentamente a estabilidade social e esfacelando pouco a pouco o grande Império Romano (com a devida vênia aos historiadores, que elencam diversos outros fatores, mas os quais não deveras sorrateiros como é a nossa temida elevação do custo de viver).
Ao longo de sua história, o Império Romano enfrentou desafios crescentes para manter suas vastas fronteiras e a ordem interna: ameaça de invasão por povos bárbaros, intrigas palacianas, um exército continental a ser mantido e uma máquina de guerra e expansão que ao mesmo tempo que conquistava novos territórios também trazia consigo um custo de manutenção cada vez mais altos. Além, claro, da vida de riqueza e ostentação que vivia a elite romana.
A solução encontrada para financiar essas despesas crescentes foi um malabarismo monetário: sem um aumento equivalente das receitas, a solução que encontraram foi reduzir o conteúdo de prata nas moedas romanas, o “denário”. Em termos práticos, mais dinheiro em circulação significava mais despesas cobertas no curto prazo – mas também semeava a problemas futuros que não imaginavam…
O debasement consistia em reduzir o conteúdo de prata nas moedas, como o denário, que originalmente possuía cerca de 85% de prata e, ao final do império, continha menos de 0,02%. Essa diluição não era apenas uma medida de economia de recursos; ela refletia uma tentativa de estender a capacidade financeira do império sem aumentar as receitas de forma insustentável.
Redução da quantidade de prata na moeda romada (Fonte: Numiscorio)
Uma solução sem grandes problemas, não é mesmo? Era uma decisão quase unilateral dos “donos” do poder, não tinha muito empecilho à prática… Porém, era bom demais pra ser verdade. E foi dos fronts das guerras intermináveis que vieram o gatilho para uma crise de preços.
Por volta do século III d.C. as fronteiras do império eram atacadas por todos os lados e as despesas militares disparavam, enquanto províncias inteiras estavam sendo abandonadas e seus tributos ao império perdidos. Além disso, as minas de metais preciosos do império estavam secando e fluxo novo de riqueza fluindo das terras conquistadas estava diminuindo, por decisões imperiais realizadas séculos antes que levou à desaceleração a expansão do império.
Enquanto isso, a folha de pagamento dos soldados era cerca de 70% do orçamento romano e quando os salários dos soldados não podiam mais ser pagos, o debasement da moeda era a opção escolhida. Os imperadores emitiam novos denários (as tropas eram pagas com essa moeda de prata) com cada vez menos conteúdo de prata — ou seja, aumentando ainda mais a oferta de dinheiro dentro do império.
À medida que mais moedas de valor diluído inundavam a economia – seja para dar conta de pagar os soldados ou para bancar a vida de luxo dos dirigentes do império –, o poder de compra de cada denário despencava. Só para ter uma ideia: em 300 d.C., os soldados eram pagos 8 vezes em denários em comparação a um século atrás, mas os preços do trigo subiram 200 vezes mais no mesmo período (!).
Este aumento da oferta monetária, sem um correspondente aumento na oferta de bens – obviamente, como aprendemos hoje – gerou inflação. Os preços dos bens e serviços começaram a subir, um fenômeno que gradualmente minou o poder aquisitivo da população. Este cenário de inflação não apenas corroeu a economia, mas também começou a desgastar o tecido social de Roma. Foi tanto circo que começou a acabar o pão.
Ao mesmo tempo que o poder de compra era reduzido, aumentava a instabilidade política e social (Fonte: Visual Capitalist)
A inflação galopante trouxe consigo uma desestabilização social profunda. À medida que os preços subiam, o descontentamento crescia entre as classes mais baixas, que viam seu poder de compra diminuir dia após dia. A dificuldade de acesso a bens básicos transformava descontentamento em desespero, e o desespero em agitação social. A desigualdade exacerbada pela inflação alimentou ressentimentos, levando a conflitos internos e a um enfraquecimento generalizado da coesão social. Essa erosão da ordem interna foi um dos fatores que contribuíram para o eventual esfacelamento do Império Romano, provando que mesmo a maior das potências pode ser desestabilizada por problemas econômicos aparentemente domésticos.
Diocleciano tentou estabilizar as coisas impondo limites de preço em mais de 1.000 bens e serviços, mas falhou (obviamente). Um modius (unidade de medida de capacidade para líquidos e grãos, equivalente a cerca de 8,7 a 9,2 litros) de trigo que custava 0,5 denário no século II foi vendido por mais de 10.000 em 338 d.C. Obviamente que o controle de preços não deu certo e os comerciantes tinham que fornecer bens diretamente ao estado e ao exército, e deixar seu comércio era proibido.
Aos poucos, as massas foram sendo obrigadas a fornecer seu trabalho de graça ao estado (vulgo, "servidão”) e na agitação, enquanto o estado se tornava maior e mais autoritário em resposta. O estado agora estava se mantendo vivo a todo custo.
A Queda do Império Romano, de Thomas Cole: Tem gente chorando até hoje
Dali em diante, a história é conhecida: poder central enfraquecido por brigas internas, sem tempo de coordenar as tropas (com um número cada vez maior de soldados desertando) e fronteiras sendo invadidas por povos bárbaros até a queda de Roma com o último imperador romano, Rômulo Augusto, sendo deposto por Odoacro, um líder militar de origem germânica no século V. Dali, veio a Idade Média e o resto é história e uma lembrança (ou seria fantasia?) nos coração dos jovens tiktokers do século XXI.
De qualquer modo, a história do denário traz uma lição importante: poder de compra é algo que os governantes devem sempre se atentar – se não pela ótica benevolente de se preocupar com o bem-estar da população, então pela ótica maquiavélica de que redução do poder de compra gera instabilidade e crises. O Brasil foi – e é – prova viva.
Número de investidores pessoa física cresceu 6% em 2025
A B3 divulgou recentemente os dados de crescimento do número de investidores pessoa física no Brasil: número de CPFs que investem na B3 subiu 6% em 2024 em relação ao 2023.
Fonte: B3
O investidor pessoa física tem R$ 528,3 bilhões na B3, mas o que chama atenção é que o saldo mediano das pessoas físicas tem diminuído, indicando que a popularização da bolsa é um movimento real.
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Uma das melhores edições até hoje. Excelente!
Excelente artigo