Sejam bem-vindos a mais uma Carta do Condado, sua dose semanal de informação com pitadas de humor ácido e algumas pílulas de sabedoria de mercado.
Essa semana o mercado continuou a testar as pontes de safena de muito figurão do mercado por aí, com notícias vindas do exterior e de Brasília que testam a nossa fé e a nossa cota diária. Tome vol.
Bem, o problema daqui é o de sempre: o fiscal que não tem jeito. Daí corta de um lado (que lado?), passa o caneco do imposto do outro. A coisa tá tão feia que até CEO famosão que não abre a boa pra dar um piu saiu reclamando da proposta do PIS/Cofins. É, meus amigos, queria ser o governo: faltou dinheiro pra pagar a fatura do cartão, sai taxando.
Enquanto isso, vamos dar continuidade ao tema da carta passada. Essa aqui é uma aula de Renda Fixa 101 para aqueles que pouco ou nada sabem sobre essa maravilha chamada “Curva de Juros”.
Bob Marley já dizia que a curva mais bonita de uma mulher é seu sorriso, enquanto o ditado popular diz que a curva mais bonita de um homem é a da barriga de chopp. Para nós, a curva mais bonita de todas é a de juros.
Aliás, depois dos últimos dias, com boatos do governo querendo jogar uma pá de cal no natimorto arcabouço fiscal, os ânimos ficaram exaltados. As expectativas de inflação aumentaram, a percepção de risco aumentou e a curva de juros precificou uma elevação nas taxas futuras.
Quem sofreu nesse cenário foi a bolsa e o Real, já que com expectativas de inflação maiores no futuro os investimentos fogem para onde há maior proteção contra a perda de poder de compra e contra o risco-Brasil. Aquela boa e velha rolatividade brasileira.
A famosa equação da “rotatividade brasileira”
De um lado, a Bolsa brasileira também perde, já que com o cenário de juros mais altos no futuro as empresas tendem a ter dificuldade de se financiar. De outro, Real brasileiro teve uma performance ruim entre os mercados emergentes, com muita gente passando a investir no exterior ou só comprando hedge. Isso tudo numa semana ruim para emergentes no geral, especialmente com triggers políticos.
Já falamos sobre isso: expectativas sobre o futuro são importantes. E essas expectativas aparecem na curva de juros futura e no preço dos ativos.
Tanta gente falando sobre isso, mas pouca gente explica o básico: o que é uma curva de juros.
Vamos lá: uma curva de juros é, grosso modo, o quanto espera-se que vai ser o juros em alguma data no futuro mais um prêmio de incerteza (que você decompõem de um milhão de maneiras). Vamos construir uma curva de juros hipotética: suponha que você acredita que a taxa de juros em janeiro de 2025 será de 12%.
Ou seja, se tomar um empréstimo naquele período, pagará, em média, algo como 12% de juros, hipoteticamente.
Uma ideia simples, mas muito poderosa: a estrutura a termo da taxa de juros
Para janeiro de 2026 você acredita que a taxa será mais elevada, igual a 13% ao ano. A ideia é a mesma: se em janeiro de 2026 você vier a tomar um empréstimo, hoje você acredita que pagaria em média 13% ao ano.
Para cada início de ano você tem uma projeção de quanto será a taxa de juros média nos períodos a frente, que são as barras azul escuro na imagem abaixo. Em tempos normais, quanto mais longe, maior os juros, porque maiores são os riscos de receber um dinheiro daqui 10 anos do que aqui 1 ano.
Em tempos de crise, como há recessão e expectativa de redução da inflação à frente, é possível ter juros longos mais baixos que o curto - sobretudo quando a política monetária ainda está apertando - como foi o caso dessa semana.
Quando traçamos o topo de cada barra, a linha laranja, construímos uma curva como as que vemos por aí. Isso é uma curva de juros.
No caso específico do mercado, funciona exatamente assim, o que muda é os valores que são esperados em cada data (ou “vencimento” ou, ainda, “vértice”).
Na Estrutura A Termo (ou ainda “Yield Curve”), que é o nome que o mercado dá para sua curva de juros, os valores projetados para cada vencimento podem ser derivados dos contratos de DI, que são contratos de juros futuros. Baseados nos preços dos contratos negociados, a estrutura a termo projetada no dia.
O que aconteceu essa semana foi que, até algum tempo esperava-se uma certa estrutura a termo para o mercado de juros brasileiro mas, com as últimas notícias, a estrutura a termo passou apontar juros maiores para cada vencimento futuro: para cada ponto no tempo, passou-se a espera um juros maior do que se esperava antes.
Isso porque, dentre outras coisas, as taxas de juros de cada vencimento da estrutura a termo embutem a inflação implícita. De uma forma bem simples e resumida:
Juros Nominal = Juros Real + Inflação esperada + prêmio (de inflação, a termo, etc).
Os juros reais geralmente são aqueles juros a mais que os títulos do governo pagam nos papéis pós-fixados (“IPCA + 6%”, por exemplo). Como a inflação esperada aumentou, a curva de juros (nominal) aumentou também.
E foi assim que o sonho da renda variável se tornou mais difícil para o brasileiro: com um juros futuro mais alto, cresce o custo de captação das empresas e também o custo de oportunidade do mercado como um todo.
Se uma empresa planeja uma expansão através de dívida, por exemplo, irá pagar juros maiores no futuro.
E o que fazer nesse cenário?
O mesmo de sempre: parar de tentar controlar os retornos (você não os controla) e na escolha de bons ativos, diversificar nas mais diversas classes e, o principal, controlar seu comportamento em relação ao quanto poupa, ao risco que está disposto a incorrer e à sua paciência.
No mais, vida que segue. O bom e velho Brasil do velho testamento: juro alto e incerteza.