De tempos em tempos, precisamos revisitar o zoológico chamado “Faria Lima”e fazer um safári com os novos leitores desta encíclica. Nosso último tour foi há alguns anos (só para lembrar: esta Encíclica existe desde 2020, estamos aqui desde quando tudo era mato), e chegaram muitos novos leitores, que merecem apreciar e conhecer como funcionam as espécies desse mundo à parte chamado mercado financeiro.
E se tem uma coisa que a Faria Lima fez bem foi transformar a elite do mercado financeiro em personagens: não à toa, circulamos por escritórios que mais parecem um safari de alta renda, onde convivem, muitas vezes no mesmo andar, o trader viciado em adrenalina, o analista que só queria escrever em paz, o banker que entre uma partida e outra de tênis no Harmonia fecha um deal milionário e o startupeiro que o corpo físico está na Faria Lima mas o coração (e a mente) está no Vale do Silício.
Classificamos, com a precisão de quem observa de perto e o cinismo de quem já se iludiu, os tipos mais comuns que você vai encontrar no ecossistema Faria Limer, vamos a eles:
O Trader
O trader não vive, ele fareja e reage ao próximo movimento do mercado. Passa o dia olhando para gráficos, fala rápido, pensa mais rápido ainda, e, quando não está comprando ou vendendo ativos, está comprando ou vendendo a si mesmo como alguém "controlado". Costuma ter hábitos binários: ou está extremamente disciplinado (acordando às 5h, tomando creatina, sem álcool), ou completamente largado e emocionalmente instável (e com uma circunferência abdominal crescente). O amor, para ele, é tratado como uma posição: entra no risco, mas já com o stop mental.
O vocabulário é repleto de jargões em inglês, frases curtas e algum desprezo por qualquer coisa que dure mais que um candle de 15 minutos. Ainda assim, é possível que ele tenha sentimentos. Mas, se tiver, provavelmente vai confundir com ansiedade de mercado.
O Analista de Research
Aqui moram os nerds: se orgulham dos modelos, vivem em guerra com o Excel/Python, leem relatórios como quem lê poesia, mas quase sempre sentem que está falando para ninguém (afinal, as pessoas só querem saber quanto estão estimando o preço justo da ação ou da moeda). O relatório pode ser brilhante, profundo, antecipar tendências… mas tudo isso será solenemente ignorado na mesa ao lado, onde o trader compra no boato, vende no pânico e lucra no caos.
Esse tipo costuma ser mais contido, mais técnico, e mais sensível do que demonstra. Muitos são introvertidos forçados a parecer extrovertidos em comitês. O maior drama? Ser bom demais para ser ouvido e tímido demais para se vender.
O Banker
O banker é aquele tipo de pessoa que parece estar sempre no lugar certo, falando com a leveza (ou melhor, sabonetagem) de quem fala com certeza até de assuntos que não conhece. Almoço com algum herdeiro de uma empresa familiar, jantar no Fasano com founder de uma empresa que cresce a dois dígitos e, entre uma partida de tênis e outra no Harmonia, um deal de alguns milhões de reais. Diz ele que não é sobre ostentação, e sim sobre estar onde seus clientes estão e onde as decisões realmente acontecem: por isso mesmo, os altos gastos no cartão corporativo, justifica-se.
Mas ele também entende que, muitas vezes, um gesto fora da sala de reunião vale mais do que uma cláusula bem escrita e, no mundo das altas finanças, relacionamentos e “ser um deles” é condição sine qua non para construir confiança. E confiança, como o leitor deveria saber, é a base de tudo no mercado financeiro.
Trabalha muito, mas com certo prazer em fazer tudo parecer fácil: tem pressa, mas não corre; é direto, mas sabe ouvir; e gosta de bons restaurantes, bons papos e de saber exatamente o que pedir para o cliente sentir que está sendo cuidado. Nem sempre está disponível, quase nunca está tranquilo, mas quando está com você, faz parecer que o mundo desacelerou por uns minutos. No fundo, o banker é movido a relações, e sabe que confiança, assim como vinho, precisa de tempo.
O Buyside (Asset, FOF, etc.)
Esse tipo anda de maneira mais tranquila, fala com pausas, observa antes de reagir. Já entendeu que não adianta correr, porque o mercado corre por ele Lê, escuta, processa e depois toma uma decisão. É menos afeito ao caos performático da mesa, mas não menos exigente com si mesmo.
Tem um ar meio misterioso, um senso de estratégia que vai além dos ativos, e, frequentemente, mais maturidade emocional do que a média. Mas só parece mais calmo por fora: por dentro, lida com a ansiedade de sempre ter que entender o futuro antes que ele aconteça. E se não acontecer, a cota do fundo vai cobrar e os resgates vão vir.
É o tipo de pessoa que toma café devagar, responde com “vamos pensar com calma” e assusta um pouco os mais ansiosos com essa sobriedade. Gosta de parecer intelectual, assiste todos os podcasts e livros de finanças que puder, para justificar suas decisões nos comitês de investimentos.
O Relações com Investidores
Este aqui é comunicador por natureza: tem que se expressa com clareza, ter jogo de cintura e um dom raro de dizer a mesma coisa de dez formas diferentes dependendo do público. Afinal, o mercado mudou: a figura do distribuidor de fundos e das plataformas PFs fizeram essa ser uma figura chave para dar liquidez ao mercado.
Aqui entram a figura dos finfluencers, os caras e meninas de rostinho bonito qua fazem dancinha e explicam de mil e uma formas diferentes o impacto que a Selic vai ter nos seus investimentos. O objetivo? Um só: pegar seu dinheiro e colocar no fundo que eles defendem.
O cripto trader
O cripto trader é o tipo de profissional que chegou antes: antes dos fundos tradicionais tokenizarem T-Bills, ele já estudava protocolos, acompanhava debates sobre identidade digital soberana e testava soluções de liquidação cross-chain. Curioso, autodidata, fascinado por inteligência artificial e ficção científica, é aquele que traz as ideias que parecem distantes até que essas ideias virem tendência. Enquanto muitos ainda veem a blockchain como uma promessa, ele já a trata como infraestrutura.
Foi ele, inclusive, quem mandou o link da Foxbit Business para o CFO da empresa com um comentário direto: “Vale dar uma olhada”. A Foxbit oferece uma solução completa para tokenização de ativos reais (como recebíveis, imóveis e direitos creditórios) com segurança, agilidade e estrutura regulatória. Para quem pensa à frente, é o parceiro certo para transformar visão em tecnologia concreta.
O Startupeiro (ou ex-Faria Limer que foi buscar propósito)
Ele largou o banco, fundou uma fintech, rodou três rodadas, contratou demais, demitiu em massa e agora está num ciclo de podcasts e café coado. Às vezes, é brilhante; outras, é só um sonhador carismático. Mas sempre está tentando convencer alguém (um investidor, um sócio, um ex que não acredita mais) a investir na sua próxima start-up.
Lê todas os blogs e twitters de Tecnologia e procura uma forma de replicar a startup mais bombante dos EUA aqui no Brasil. Metade do tempo é dedicada a colocar o negócio de pé, outra metade é dedicada a captar funding (talvez aquela mensagem que você recebeu do seu colega da GV que não vê há anos não seja saudade, talvez você seja o próximo na lista dos potenciais seed money do negócio).
Pode ter saído do mercado, mas o mercado nunca saiu dele. Por isso ainda volta pro Fasano, ainda acompanha ações (de tech, claro) e ainda sorri com desdém quando passa na frente do antigo escritório e lembra-se que não precisa mais usar calça cáqui e camisa de tons pastéis.
O Advogado de M&A
Circula na Faria Lima como quem tem acesso, mas não pertence. É sempre o mais bem vestido da sala, o mais calmo no caos, e o que carrega um contrato de 487 páginas onde todos estão só pensando em quem vai pagar a conta caso alguma ação seja ajuíza por um motivo que ninguém sabe. Tem um talento raro para manter o rosto impassível enquanto o banker se desespera e pensa no que o cliente vai pensar, o cliente exige uma solução para o risco institucional, e o prazo estoura.
Para um advogado, costuma falar com clareza muito além dos seus pares jurídicos (mas, ainda assim, cheia de jargões técnicos), sem pressa e com um ar de superioridade: afinal, ele sabe onde estão os riscos que ninguém está lendo, pois o labirinto jurídico institucional e as cláusulas societárias já lhe arrancaram alguns (muitos) fios de cabelo mas trouxeram muita experiência.
O Agrolimer
É o elo entre a soja, a Selic e o câmbio. Cresceu no interior, estudou na capital, e hoje faz a conexão com a pujança do agronegócio dos rincões deste país: transita entre a Faria Lima e os grupos de zap com foto de trator, e entende tanto de hedge cambial, LCA e debênture quanto de lavoura.
É educado, mas direto, aquele jeito sistemático do interior. Tem um conhecimento empírico que intimida, e uma paciência seletiva: aguenta bem variação de preço de milho, mas não tolera frescura urbana – um bom sujeito pra lidar com as figuras mais sistemáticas do interior. Final de semana é na Boa Vista ou no Goiás; Barretos é sagrado, é onde encontra a “turma” do seu ensino médio.
No fundo, é o Faria Limer raiz. O único que, se tudo der errado e se a bolsa parar de funcionar, ainda sabe se virar.
O Estagiário
A nova geração da Faria Lima chega cedo, fala inglês fluente, conhece Python, acompanha fuma pods e bebe Monster que nem bebe água e acredita que pode mudar o Brasil. O entusiasmo é real, mas a pressa é maior: com 22 anos, já está ansioso para liderar uma mesa, fundar um fundo ou uma startup disruptiva.
Ouve podcasts em velocidade 2x, faz perguntas (às vezes demais) e sente que precisa entregar uma tese de investimento por semana só para justificar o crachá. O mundo ainda vai ensinar que inteligência não precisa vir acompanhada de falatório, e ele, sem saber, ensina aos mais velhos que a se lembrar de como era o mundo antes do mercado sugar nossa alma. Até lá, seguimos todos fingindo que entendemos o que ele falou na última reunião e que sabemos quem é esse tal de BTS que tanto falam (que não, não é uma criptomoeda nem ativo de mercado).