Legenda: Esta é a sua carta semanal para atualizar o cenário de mercado. O objetivo é que você pelo menos fique um pouco mais informado ou tenha o que comentar na mesa do almoço.
Brasil - João ou Maria?
O IPCA-15 de outubro resolveu pregar uma peça nesta chuvosa quinta-feira (24). Todo mundo já tinha anotado na calculadora o impacto da energia elétrica nos preços administrados e da alimentação nos preços livres. Só que o mercado adora uma surpresa. A inflação subiu 0,54% em outubro, enquanto os analistas esperavam 0,51%. E o mais inesperado veio do grupo de habitação, que avançou 1,72%.
A famigerada taxação das blusinhas vem fazendo efeito. Em setembro, a arrecadação atingiu R$ 203 bilhões, um recorde para o mês, com alta real de 11,6% em relação ao ano passado. Quem achou que a desoneração de R$ 10 bilhões ia fazer alguma diferença subestimou a máquina arrecadatória do governo. Recorde em cima de recorde, se tratando de arrecadação isso não é uma grande surpresa mais.
Já que estamos falando de contas públicas, a área econômica agora quer propor um corte de R$ 20 a R$ 50 bilhões em despesas - e que seja na faixa superior, por favor! Estou ansioso para ver isso acontecer na prática, mas quando a gente vê manobras para excluir gastos do orçamento e créditos escapando do arcabouço fiscal, o entusiasmo vai pelo ralo. Promete que vai parar de comer doce mas assalta a geladeira de noite quando acha que ninguém tá vendo.
Enquanto isso, a China segue tentando acordar o gigante. Ainda lutando para bater a meta de crescimento, agora vai apelar para cortes de juros. A Vale até sorriu com essa notícia, mas foi um sorriso bem tímido: suas ações valorizaram só 0,13% na terça-feira (22). Nada de rali épico por enquanto.
E se por um lado a China é nossa aliada, por outro, nos puxaram o tapete nas exportações. As vendas brasileiras caíram de 13,2% para 11% de janeiro a agosto, enquanto os chineses subiram de 22,1% para 23,4%.
Fonte: Valor - modificado
Tivemos outro recorde essa semana. Resgate antecipado de debêntures foi de R$ 76,4 bi, no período de janeiro a dezembro, quase dez vezes acima do mesmo período de 2023.
Para você que ainda não entendeu:
Imagine o seguinte: João, o CFO de uma grande empresa, estava tranquilo, voltando do encontro com seu clube de corrida pela manhã quando percebeu que o mercado de renda fixa estava pegando fogo. A Selic lá em cima e todo mundo correndo para os títulos de renda fixa.
João olhou para os papeis da dívida da empresa e percebeu que os investidores estavam tão afoitos por esses títulos que o custo da dívida batia nas mínimas. O que isso significava? Que ela podia recomprar as dívidas da empresa antecipadamente pagando menos do que antes - o preço para antecipação é estabelecido nos contratos das debêntures. Era a chance de ouro: melhorar a estrutura de capital da empresa quitando dívidas antigas e emitindo novas a taxas muito mais saudáveis.
O problema acontece do outro lado da mesa: Maria, gestora de fundos de crédito recebe a notícia e sente aquele frio na espinha. Os resgates antecipados das debêntures começaram a chegar na caixa (de e-mails) e no caixa (do fundo) como uma avalanche. Seu fundo, cheio desses títulos, sente o impacto porque eles são marcados a mercado todo santo dia. Quanto mais resgate a preços abaixo do mercado, mais impacto na cota do fundo. E ainda, o que fazer com esse capital sobrando? Comprar a nova emissão de títulos da empresa da Cláudia?
Bom para uns, ruim para outros.
EUA - Misto quente
Analisando os indicadores econômicos dos EUA, temos um cenário misto nos últimos dias. A produção industrial caiu 0,3% em setembro. Mas, por outro lado, as vendas no varejo deram um subiram 0,4%, superando a expectativa de 0,3%.
O dólar continua sua escalada contra as principais moedas globais, com o DXY - aquele termômetro da força americana - acumulando uma alta de 4% desde o fim de setembro. O mercado, sempre ávido por um bom drama, já começa a precificar o retorno de Trump: tarifas comerciais, cortes de impostos, inflação nas alturas e juros mais altos. Para apimentar o enredo, a resiliência da economia dos EUA reforça esse movimento. As Treasuries já começaram a precificar esse cenário também, além das bolsas, que estavam na crista da onda, perderem o fôlego e não sustentarem seus recordes de fechamento.
Dados de mercado
Data-base: 23 de outubro de 2024
Fonte: Yahoo! Finance
Frase do dia
“Se algo parece irracional – e tem sido assim por muito tempo – é provável que você tenha uma definição errada de racionalidade.” – Taleb
Curiosidade da semana
Todas as bactérias do mundo empilhadas umas sobre as outras se estenderiam por 10 bilhões de anos-luz.
Muito bom
Os estímulos grandes na China é pra virem agora em Novembro... vamos ver.
No mais, Taleb sempre assertivo.