Todos nós sabemos que a Europa não está bem das pernas. Começou com a pandemia e a quebra na cadeia global de suprimentos, passando por uma guerra inesperada, e bateu na inflação no velho continente que beira a perda do controle pelas autoridades responsáveis.
Primeiro a inflação foi de custos, motivada pela quebra na logística mundial pela pandemia global e o consequente aumento do preço dos insumos. Quem sofre mais é a indústria, que tem que comprar insumos a preços mais altos. Claro, esse aumento é repassado ao consumidor. Fizemos algumas Cartas sobre isso, o leitor mais assíduo deve se lembrar.
No meio do caminho, no período de retomada da vida “normal”, estoura uma guerra nas beiradas do continente, e o que era para durar “alguns dias” (nos cálculos dos invasores russos) já estende-se por meses. De um lado, a Europa Ocidental e os Estados Unidos fornecendo recursos financeiros e militares para a resistência ucraniana e impondo duras sanções aos russos. De outro, uma Rússia que detém o controle da “torneira” que fornece energia para o continente Europeu (já tratamos disso anteriormente aqui nessa encíclica).
E a Rússia exerceu seu poder: reduziu a oferta de gás para a Europa (sob o pretexto de “problemas de manutenção”, cerca de 20% do gás que passava pelo Nord Stream 2 – uma das principais tubulações que levam o gás da Rússia para a Europa – foi cortado). Resultado? A conta de energia dos cidadãos e da indústria dispararam.
Isso sem contar que muitas empresas têm enfrentado um custo de produção proibitivo e optando por parar a produção e realizar demissões. Inflação alta e desemprego crescente: nitroglicerina pura para o sistema.
Daí, claro, o mercado começa a especular: vai haver crise? Se sim, onde vai começar? É a caça pelo elo fraco no sistema. O alvo, dessa vez, é o centenário banco suíço Credit Suisse.
O Credit (ou CS, para os íntimos) vem de uma série de eventos negativos nos últimos anos, desde empréstimos que sofreram calotes a escândalos de lavagem de dinheiro e negócios escusos com ditadores africanos. Em 2021 sofreu uma perdas bilionárias: US$4,7 bilhões só com o colapso da Archegos, um family office americano. Adicionando a perda com outros negócios, a instituição perdeu quase 60% de seu valor de mercado no último ano, saindo da casa dos US$12 para abaixo dos US$ 4.
“Madeeeeira”: CS é o bode expiatório da Europa. Fonte: Bloomberg.
Embora a queda seja substancial e uma crise de desconfiança está em andamento, o veterano suíço não no vermelho: o banco tem grandes quantidades de capital para suportar perdas, com os ativos totais do banco chegaram a 727 bilhões de francos suíços (US$ 732,7 bilhões) no final do segundo trimestre, cerca de um quinto dos quais em dinheiro.
Mas uma crise de confiança e uma comparação com o Lehman Brothers e 2008 é sempre um perigo. Alguns analistas de mercado, porém, descartaram as comparações com 2008, observando que o índice de cobertura de liquidez do CS – a parcela de dinheiro e outros ativos que podem ser acessados rapidamente em uma crise – estava entre os “melhores da classe” em 191%. Os bancos estão mais rígidamente regulamentados do que em 2008 e têm mais capital disponível para administrar o risco.
Embora o roteiro seja manjado – procurar um elo fraco e apostar contra ele – também é um roteiro perigoso, tanto para o alvo da especulação quanto para quem especula contra: uma crise de desconfiança pode ser auto-realizável, se não houver um garantidor da estabilidade e solvência. Por outro lado, uma aposta errada pode custar caro. A crise de 2008 começou com a falência do Lehman Brothers, mas há meses havia uma incerteza quanto a instituição americana e grande parte do problema quando o Lehman faliu decorreu do fato de que todos esperavam que o Lehman fosse resgatado, mas o governo não o fez.
No caso do CS, existe algo muito maior em curso: uma incerteza quanto à saúde do sistema financeiro europeu e, principalmente, da Europa como um todo. O futuro, como sempre, é impossível de prever. Cenas dos próximos capítulos.
Frase da Semana
No Brasil, os cidadãos têm medo do futuro e os políticos têm medo do passado
Chico Anysio, humorista.
Tópicos de Economia e Mercado
Essa semana foi didática para alguns aprenderem que o que importa no mercado é a narrativa. E não importa se ela está certa ou errada, mas qual a narrativa. A segunda lição é: narrativas podem durar menos do que você espera. A semana começou parecendo que o mercado irresponsavelmente estava dando um all-in num posicionamento dovish do Fed e terminou com medo da marretada do mesmo. Na segunda e terça, dados mais fracos animaram um cenário onde o juros não precisaria ir tão longe, mas o payroll veio na sexta-feira para corrigir esse humor, mostrando que os desafios dos EUA são grandes. É preciso saber qual o jogo que está sendo jogado, e essa semana tem mais, com inflação.
Na Europa a parada não para de esquentar, com a Ucrânia subindo o tom e os contra-ataques à Rússia e a situação de energia só ficando mais preocupante. O que a turma vai usar de política fiscal lá esse ano é quase um terço do que foi o Covid, quando o mundo parou. Só para você ter noção do tamanho da criança. Assim como a China, se tornou um lugar não investível, com o fluxo de capital procurando outros mercados - como o mercado de crédito e de títulos nos EUA, por isso é difícil ver um dólar ficando fraco no mundo. A maior pergunta que o mercado se faz hoje é: qual vai ser o corpo boiando no final da história? Espero que não seja o meu.
Na China, os caras passaram a semana em feriadin, de boa, na Floripa deles e agora vão entrar com tudo na semana do Congresso do partido. Dizem que é uma semana onde o chicote estrala, não pode pisar fora da risca que o couro come. Agora o mundo todo vai prestar atenção nas decisões para construir o cenário para os próximos 5 anos. O Brasil, em especial, tem grande interesse nisso. De minério de ferro, passado por soja e carne. Pode ser o nosso momento de brilhar.
E sobre o Brasil, a narrativa de eleição ainda é a mesma. Não sei onde isso vai dar e quem vai realmente segurar posição depois do dia 30, mas por enquanto tá tranquilo, tá favorável. A única coisa, como sempre, é participar da festa, mas sabendo onde estão as portas de emergência e com o número do táxi no bolso. Mercado comemorou muito que o congresso é de centro-direita, mas esquecem que nesse termo existe a palavra “centro”. E o “centro” é “centro” desde os anos 90. Tem fusão de partido aí que faria o congresso ser muito mais de centro do que de centro-direita e para isso virar para outro lado, é dois palitos. Façam contas, olhem onde estão os extintores da festa, mas fiquem na festa.
Ótimo!