Surrealismo Latino-Americano
Olá e sejam bem-vindos a mais uma edição da Carta do Condado, em mais um final de semana dos 45368 dias do ano de Janeiro de 2023. E, que Janeiro, caros leitores!
Até aqui, altas emoções: rombo bilionário que descobriu-se muito maior posteriormente, início de uma (longa?) batalha judicial entre os maiores investidores do mercado financeiro, instabilidade política pra dar e vender, bolsa e dólar chacoalhando mais que pandeiro em roda de samba… Haaaaja coração, já disse o mestre Galvão Bueno!
A mais nova foi a ideia de criação de uma moeda comum entre Brasil e Argentina, o que arrepiou cabelos em Terra Brasilis e já fez os mais antigos terem pesadelos e calafrios ao lembrarem-se dos anos de hiperinflação que o Brasil passou e que a Argentina passa hoje. Logo lembraram do artigo do atual ministro da Fazenda sobre isso, veiculado na mídia ano passado: uma moeda comum não só para Brasil e Argentina, como para toda a América do Sul, para ser utilizada em fluxos comerciais e financeiros e com uma proposta de criação de um Banco Central Sul-Americano, que seria responsável pela emissão da moeda e capitalizado com a “reservas internacionais dos países e/ou com uma taxa sobre as exportações dos países para fora da região” de forma proporcional às participações no comércio regional.
Segundo o ministro, os países teriam liberdade de adotar a moeda domesticamente ou manter sua moeda (embora a lei de Gresham já preveja o que ocorre nesses casos: uma das moedas – a “pior” – tende a “vencer” a disputa e retirar a “boa” de circulação). Como o Brasil é uma potência mundial em memes, os brasileiros correram já criaram nomes para a nova moeda: realito, peso-morto, sur-real… essa última acabou sendo a favorita das redes.
Aproveitando o apelido da moeda, um exemplar do surrealismo artístico na obra do mestre Salvador Dali: “Criança geopolítica assistindo o nascimento de um novo homem”, de 1943.
Depois de muito burburinho, os órgãos oficiais resolveram se explicar: a ideia é a criação de uma câmara de compensação do comércio realizado entre Brasil e Argentina, na qual seria utilizada uma moeda comum que se fizesse as contas do saldo das transações. Não foram dadas mais explicações sobre a definição da paridade de trocas, nem como seria feito o lastro e a operacionalização da moeda, mas foi dito que um grupo de estudo será criado para isso. O objetivo, segundo os órgãos oficiais, é fomentar o comércio bilateral entre Argentina e Brasil, que hoje é feito, principalmente, utilizando o dólar como moeda de troca – já que a moeda argentina não é bem aceita nas trocas comerciais e o comércio entre os países tem se reduzido ao longo dos últimos tempos.
Enquanto não recebemos mais detalhes do grupo de estudo sobre como seria a proposta, ficamos com o que a história e os dados nos mostram. E, sobre isso, temos o famoso caso do Euro.
O Caso Euro
Quando falamos em moeda comum, já vem logo à mente o Euro. E, para falar de Euro, é preciso contar sua história.
O caso é um pouco longo, mas resumimos: a Europa sempre foi fracionada em vários países, cada um com sua moeda e suas leis, o que era uma complicação para o comércio entre eles. Primeiro as questões regulatórias e institucionais sobre produtos que poderiam ser comercializados, sobre taxação de produtos (se onde eram produzidos ou onde eram consumidos, bitributação, triangulação fiscal, etc)... passando por uma questão bem prática de como as trocas seriam feitas: cada país tinha sua moeda, o comprador deveria pagar em qual moeda? A sua ou a do vendedor do produto? A que taxa? Será que não compensava não utilizar nenhuma delas e utilizar uma moeda mais líquida e aceita mundialmente, como o dólar ou a libra – ou quem sabe mesmo, ouro?
Bem, foi numa dessas que surgiu o Benelux, um grupo econômico formado em 1944 por Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Primeiro como uma união aduaneira (tarifas de comércio reduzidas entre os países e tarifa comum para comércio com países fora do bloco). O negócio virou e, em 1952, Alemanha, França e Itália juntaram-se ao Benelux, dando origem à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). O CECA, como o nome indica, foi criado com o intuito de integrar e fomentar a produção industrial e o fornecimento de matéria-prima entre os países membros.
Foi com o Tratado de Roma, de 1957, que as ideias de Euro e União Europeia começaram a germinar: foi criada a Comunidade Econômica Europeia (CEE) – também conhecida como Mercado Comum Europeu (isso não te lembra um certo Mercado Comum, o do Sul?) – que ampliava o escopo da cooperação para outras áreas, não mais se restringindo apenas a assuntos de siderurgia, matéria-prima e produção industrial. Dali as conversas evoluíram e passaram da união comercial para a união política, culminando na criação da União Europeia, via Tratado de Maastricht em 1993.
Uma união econômica mesmo, marcada pela circulação de uma moeda comum, só foi ocorrer em 2002, depois de muitas tratativas, acordos e ajustes (um cavet: importante ressaltar que União Europeia (UE) não é 1:1 com Euro: nem todos os países da UE adotam o Euro e nem todos os países que utilizam o Euro fazem parte da UE). Isso porque a implementação de uma união monetária não é algo simples: se um país já tem suas dificuldades na condução de sua moeda (sua política monetária), imagine uma política monetária única para vários países… Precisou de um banco central próprio (o Banco Central Europeu, BCE) para definir a política monetária, um sistema de compensação de pagamentos próprio para a cunhagem e distribuição de notas, muitas leis e estudos para garantir que as coisas fluissem e o Euro pudesse entrar em circulação.
Com Grandes Poderes, Vem Grandes Responsabilidade: O Caso Grego
Mesmo com todas as burocracias e regulamentações, perda de soberania sobre a moeda, muitos países toparam embarcar no Euro: a união monetária poderia resultar em maiores fluxos de comércio e turismo, mais investimentos estrangeiro e maior crescimento econômico. Era essa a aposta de muitos países pequenos que pleitearam o uso do Euro.
Mas nem tudo são flores, e se vocês bem lembram, essa união monetária já teve muitos perrengues no caminho. O principal deles, provavelmente, foi a crise do Euro em 2008 – que na verdade durou até metade dos anos 2010 e vez ou outra surgem notícias para chacoalhar o mercado.
Em resumo, o que ocorreu foi o seguinte: para os países adotarem o Euro, era necessário que cumprissem certos índices de saúde fiscal, monetária e cambial. Dentre os muitos motivos para isso, estavam o fato de que os países deixariam de emitir moeda própria mas poderiam continuar emitindo dívida própria (mas agora em Euro) conforme a necessidade – a união era monetária, mas não fiscal – e a possibilidade de contágio inflacionário entre os países (inflação que é muito afetada por emissões de dívida e gastos do governo).
E foi justamente aí que a crise de 2008 pegou em cheio o Euro: com a crise nos EUA, a saúde financeira de muitos países começou a ser questionada. Nessa brincadeira, Grécia foi o ápice da desconfiança e do posterior caos: descobriu-se que o país falsificou dados fiscais para ingressar na Zona do Euro e averiguou-se que o estado das contas do país era muito pior do que se pensava. Daí, o país enfrentou muitas dificuldades para se financiar e pagar suas contas, pois as receitas fiscais não eram suficientes, não podiam emitir dinheiro e a emissão de dívida estava minguando pela desconfiança dos investidores.
O resultado foi que o país teve que pedir ajuda aos burocratas da União Europeia e as consequências dessa irresponsabilidade fiscal foram muitas – mas talvez nada retrate mais essa situação precária e triste do que aquela imagem do idoso grego chorando em frente a uma agência bancária por não conseguir sacar os 120 euros da pensão de sua esposa (é, responsabilidade fiscal não só é algo que os economistas gostam de falar, é algo que afeta diretamente a vida das pessoas, seja pela garantia do pagamento de benefícios sociais, seja pela inflação e corrosão do poder de compra das famílias, por exemplo).
Tragédia Grega: a crise de 2008 e a foto histórica do vovô grego aos prantos (crédito: AFP)
No fim, a ajuda europeia veio, mas não sem contrapartidas: a Grécia entrou em um sistema rigoroso de recuperação fiscal e precisou ajustar as contas da casa – até hoje o país não se recuperou 100%, mas certamente está melhor do que antes. E para os burocratas do Euro, a lição de um processo seletivo de novos membros mais rigoroso e de um acompanhamento mais próximo da saúde fiscal dos países do bloco.
E quanto à uma moeda comum a países da América do Sul, como especularam e que carinhosamente já apelidaram de Surreal, ficam alguns insights, sendo o mais valioso deles a importância do controle da inflação e das contas do governo para que casos como o do idoso grego não se repitam e que a administração financeira dos países consiga funcionar normalmente. Estamos próximos dessas condições para uma boa implementação de uma moeda comum e única? Bem, na Argentina nem um pouco (rs) e por aqui ainda temos chão. Essas experiências de outros países seriam levadas em conta em um cenário hipotético de união monetária de países da América do Sul? Esperamos que sim, mas nunca descarte a possibilidade do não.
E a área de segurança de informação: 🤡
Oportunidades
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Dica: investimento em segurança da informação tem mais retorno que algumas Herman Miller’s para a diretoria.
Frase da semana
Acho que a televisão é muito educativa. Todas as vezes que alguém liga o aparelho, vou para a outra sala e leio um livro.
Groucho Marx
Economia e Mercado
Mercado esperando o Fed e questionando se o mesmo ainda tem capacidade de marretar. Isso principalmente após os dados mais fracos de consumo ao longo da semana, principalmente no PIB do quarto trimestre. Semana decisiva para basicamente o semestre todo, visto que pode chancelar altas de juros até maio. Ou então suportar as expectativas de mercado de que o corte venha ainda esse ano.
Já na Europa, o inverno segue mais quente que a média e a atividade econômica parece mais forte que o antecipado, podendo alimentar ainda mais a inflação de serviços. O BCE e a Lagarde devem chacoalhar o mercado e dar suporte para o euro ficar menos fraco.
Na China, a galera segue no Ano Novo Lunar e transmitindo covid entre si. Vai ajudar muito os mercados emergentes e principalmente o Brasil . E saibam, vamos precisar.
No Brasil, a nossa folga está acabando pois o Congresso volta a "trabalhar". Aí começa a negociação das novas pautas fiscais e a briga pelo apoio à reeleição da presidências das casas. Fiquem tranquilo, janeiro está bom, mas o ano nem começou para valer.