Taxa de Câmbio e a Briga do Menos Feio
O cenário fiscal do Brasil, se você não está em uma floresta desconectada do mundo e sem acesso a informações do mercado brasileiro, sabe que não está lá muito bom. Incerteza, dívida alta, déficits crescentes.. Tanto é que os últimos dados da B3 apontam que só em junho, cerca de R$ 6,5 bilhões de investimentos estrangeiro pegaram voo para outras bandas. Ruim, hein? Obviamente não é só por questões domésticas, o mundo todo está com dificuldade em competir em fluxo com a Magníficas 7, as maiores empresas do mundo, todas localizadas nos EUA e que são aspiradoras de capital, entregando retorno acima da média, mas reduzindo a disponibilidade de recursos para países com problemas.
Pior só os nossos pares emergentes globais, do tipo a Bolívia, que inventou um golpe militar de última hora, ou México, que deu maioria constitucional para revolucionários.
Fiscal, rolatividade e câmbio
O mercado global de investimento em emergentes é uma briga do “menos feio”.
No geral, todos os países emergentes têm o fiscal mais ou menos cagado, tem um ambiente político digno de rolatividade alta (sim, "rolatividade", aquele fator que tem volatilidade alta e alta capacidade de fazer estragos nos seus rendimentos), um histórico duvidoso de pagamento de dívida e uma poupança interna baixa. Tudo isso faz com que os emergentes utilizem dinheiro de fora para fazer investimento e também para fechar as contas públicas. Quem você acha que tem coragem de raspar os títulos brasileiros de maior duration?
Daí o leitor ou a leitora pergunta: mas por que investir nesses países, se eles são tão ruins? Seriam os estrangeiros os principais trouxas do mercado? Historicamente não, o FLE explica: diversificação. Japão e Suécia são países maravilhosos, rolatividade baixa. Mas e os juros? Estão negativos em termos reais. E como que uma gestora de fundo de pensão dos velhinhos do meio-oeste americano faz para aumentar a rentabilidade da sua carteira? Coloca uns cacarecos de recurso em mercados faroestes, onde a lei é flexível, tipicamente os emergentes.
A Serasa dos países
E como é que esses gestores decidem em qual país vão colocar dinheiro? Bem, primeiro, lembramos que a fauna de investidores internacionais é extensa: hedge funds, fundos soberanos, pension funds, firmas de private equity, mais recentemente a modinha dos venture capital… Em termos de volume (e, portanto, de poder de influenciar mercados), destacamos justamente esses fundos de pensão, que atingem volume de trilhões de dólares. O fundo de pensão dos velhinhos do meio-oeste americano ou das professoras do estado de Saskatchewan (Canadá), por exemplo.
E o primeiro fator é que os países tenham o selo de bom pagador, que significa ter o investment grade (a partir de BBB-, mas perceba que não tem relação com o programa de TV) por pelo menos duas agências classificadoras de risco. Tendo isso, as gestoras vão às compras globais: primeiro, elas olham os títulos de dívida pública, depois - e se tiver limite de risco - os papéis de renda variável e demais ativos que aquele mercado negocie internamente.
Para comprar esses ativos emergentes, tem que comprar a moeda local. Daí, é outro mercado de ativos: o mercado de moedas - para os íntimos do mercado, mercado de FX.
Libre, pero no mucho
A taxa de câmbio dos países é o resultado da oferta e demanda pela moeda do país e das ações do Banco Central:
Se um país tem taxa de câmbio fixo, o BC atua agindo como vendedor ou comprador residual da moeda, para manter o câmbio na taxa desejada (por exemplo: US$1,00 = R$2,00 (saudades do que a gente já viveu).
Se o país tem taxa de câmbio flutuante, o BC não atua, e deixa o mercado da moeda se ajustar conforme as operações de compra e venda acontecem.
Existe ainda um tipo intermediário, que é o câmbio fixo com bandas de flutuação: o BC deixa o câmbio flutuar e não persegue uma taxa fixa específica, mas age sempre que achar que a moeda está tomando uma direção muito diferente da que gostaria.
A maioria dos países hoje em dia adota o regime de câmbio flutuante com bandas, e tivemos inclusive uma demonstração da marreta do BACEN há uns tempos atrás: dólar muito próximo dos R$ 6,00 foi punido com intervenções no mercado à vista e futuro por parte da nossa Autoridade. É o famoso “libre, pero no mucho”.
Briga do Menos Feio
E por que o título de briga do Menos feio para o título desta Carta? Bem, por que o câmbio reflete mais ou menos tudo que se passa internamente em um país (ao menos no curtíssimo prazo). É como se fosse a porta que permite o acesso ao país, uma catraca que permite acesso nos dois sentidos, e o número registrado tem a ver com o fluxo de pessoas que entram e saem.
E daí que:
Tentativa de golpe militar (como na Turquia em 2016) e queima de reservas? Bate moeda local e foge para mercado mais seguro (USD, CHF e JPY, via de regra).
Presidente que propõe cota diária de execução de criminosos e restituição da pena de morte (Indonésia)? Gringo não entende, mas na dúvida, bate moeda local e foge pra mercado mais seguro.
Possibilidade de calote na dívida (como na Argentina, praticamente todo ano – mas agora não mais (?))? Bate moeda local e foge para mercado mais seguro.
Governo que não consegue fechar as contas nem para pagar os juros e vai ter que emitir mais dívida para pagar os juros da dívida (Brasil 2024? rs)? Bate moeda local e foge para mercado mais seguro até a incerteza reduzir.
E assim se constrói a história das moedas emergentes, sempre surradas mas nunca esquecidas (afinal, tem prêmio de risco bem alto em relação aos mercados desenvolvidos) - mesmo agora com o dólar perdendo força ante ao Euro. No final tudo é uma questão de preço relativo e análise risco-retorno.
Por isso, da próxima vez que você vir um trader de moedas emergentes, antes de perguntar como está sendo o dia dele ou dela, pergunte se está com os exames do coração em dia e ofereça um abraço e um chá de camomila.
Por fim, aproveitando para os novos transeuntes dessa carta, aqui você não encontrará formas de ganhar dinheiro fácil e nem o segredo da pedra filosofal, para transformar seus trades em ouro. Provavelmente aqui você encontrará desmotivação para o enriquecimento rápido e muita provocação, então, seja bem-vindo.
Dica pro Final de Semana
O Plano Real entrou para o time dos trinta agora em junho. Antes do Real, o Brasil já teve oito padrões monetários, cinco congelamentos, confiscos e levou anos para ordenar a moeda nacional.
Nossa história com a inflação não tem paralelo no mundo. A inflação acumulada desde 1939:
1939- 1980: 2% ao mês
1980- 1994: 16% ao mês
1994 - 2013: 0,6% ao mês
O Brasil foi um verdadeiro laboratório de planos econômicos, moedas e crises. Para comemorar os 30 anos do Plano Real, Inteligência Financeira (@sigaif) vai reviver a história por trás do plano econômico que domou o dragão da inflação brasileira.
O primeiro episódio já está no ar! Ouça os episódios completos no spotify ou sua plataforma de áudio preferida. E se quiserem saber mais, podem acessar inteligenciafinanceira.com.br/planoreal
Um presente ao público brasileiro da plataforma de conteúdo financeiro que deixa a tarefa de investir no Brasil e no mundo um pouco menos difícil, sempre trazendo informações e análises exclusivas para o público brasileiro. Acompanhe mais pelo site e pelo insta (@sigaif)