Nos meios econômicos, só se fala de uma coisa: na possibilidade de faltar energia na toda-poderosa Europa. As consequências têm potencial de ser catastróficas: inflação mais alta, parada na atividade produtiva e, em um pior cenário, recessão. Fora a possibilidade de perdas humanas, algo mais difícil de ser mensurado.
Para quem é assíduo nesta encíclica semanal, sabe do que estamos falando e como o rico continente europeu foi se meter nessa encrenca. Ou melhor, sabe a linha temporal dos eventos que levaram à situação europeia hoje. É aquele caso: engenheiro de obra pronta tem aos montes. Depois que o evento aconteceu, parece óbvio explicar como chegou-se naquele ponto. O grande diferencial é, antes do eventos se realizarem e dados os diversos caminhos, acertar qual o caminho correto.
A decisão Europeia de fechar gradualmente suas usinas nucleares, mesmo com sua grande dependência naquela fonte de energia, não foi sem críticos: até mesmo o ex-presidente americano, em uma reunião da ONU, apontou essa possibilidade, dizendo que o país alemão poderia ficar muito vulnerável e dependente dos fornecedores de energia russos. Naquela época, parecia teoria da conspiração; agora, não parece tanto assim.
Mas, como uma das nações mais ricas do mundo pode ter se colocado nessa posição de vulnerabilidade?
Bem, a matemática pode nos ajudar: muitos teóricos políticos usam ferramentas matemáticas desenvolvidas há alguns séculos e aprimoradas na década de 50 – em especial, pelo genial John Nash – para explicar como podemos tomar decisões. Não só decisões políticas, mas decisões estratégicas comerciais, empresariais e muitos outros campos. Para isso, precisamos explicar dois conceitos: o Teorema de Bayes e Jogos Bayesianos.
Teorema de Bayes
O teorema base é atribuído ao pastor inglês e matemático inglês Thomas Bayes, que viveu no século XVIII, que desenvolveu uma forma de “atualizar” a probabilidade atribuída a um evento, dado que recebeu novas informações (na linguagem técnica, “sinais”).
Formalmente, é dada por:
E nos informa:
com que frequência A acontece dado que B acontece, escrito P(A|B.,
Quando sabemos:
com que frequência B acontece dado que A acontece, escrito P(B|A),
e qual a probabilidade de A estar sozinho, escrito P(A),
e qual a probabilidade de B estar sozinho, escrito P(B).
Um exemplo simples é o seguinte: Digamos que P(Fogo) significa quantas vezes há fogo, e P(Fumaça) significa quantas vezes vemos fumaça, então:
P(Fogo|Fumaça) significa quantas vezes há fogo quando podemos ver fumaça,
P(Fumaça|Fogo) significa quantas vezes podemos ver fumaça quando há fogo.
Então a fórmula nos diz "para a frente" P(Fogo|Fumaça) quando sabemos "para trás" P(Fumaça|Fogo).
Numericamente:
incêndios perigosos são raros (1%),
mas a fumaça é bastante comum (10%) devido aos churrascos, e
90% dos incêndios perigosos produzem fumaça.
Podemos então descobrir a probabilidade de incêndio perigoso quando há fumaça:
P(Fogo|Fumaça) =P(Fogo) P(Fumaça|Fogo)P(Fumaça)=1%*90%10%= 9%
Exemplo simples, mas poderoso: o “sinal” de ver fumaça faz com que atualizemos as chances da existência de fogo de 1% para 9%.
Jogos Bayesiano: um exemplo histórico
Em meados de 1938 a Alemanha Nazista anexou a Áustria. Em seguida, Hitler declara a intenção de anexar uma parte da então Tchecoslovaquia conhecida como Sudetenland. Como potências europeias, sob a liderança do premier britânico Neville Chamberlain, considerando um acordo com Hitler. O acordo consiste em conceder a Sudetenland a Hitler, e em retorno, Hitler se comprometia a cessar sua expansão territorial. Tragicamente, o acordo foi assinado em setembro de 1938. Um ano depois, a Alemanha de Hitler invadiu a Polônia.
É pouco realista supor que Chamberlain conhecesse as reais intenções de Hitler, isto é, o quanto ganharia de cada atitude que pudesse tomar (seus “payoffs”). Nesse caso, precisamos apelar às lições de Bayes: modelamos a incompletude de informação de Chamberlain em relação aos payoffs de Hitler introduzindo “tipos” diferentes de Hitler. Naturalmente, Hitler sabe o seu tipo (se “bem intencionado” ou “mal intencionado”), mas Chamberlain não sabe. Para “fechar” o modelo, adotamos uma abordagem Bayesiana:
Expressamos como crenças subjetivas de Chamberlain quanto aos tipos de Hitler: Chamberlain atribui uma probabilidade de 60% de Hitler ser bem intencionado e 40% de Hitler ser mal intencionado:
Uma vez que Chamberlain atribua sua probabilidade subjetiva aos tipos do seu oponente, tem que tomar uma decisão: Conceder (C) ou Não conceder (N) Sudetenland a Hitler, sem saber com qual tipo está lidando.
Uma vez que Chamberlain tenha tomado sua decisão, é a vez de Hitler decidir: se vai à Guerra (G) ou se Acomoda (A) e cessa suas investidas contra territórios estrangeiros.
Após a decisão de Hitler, Chamberlain atualiza sua probabilidade subjetiva de forma bayesiana quanto ao tipo de Hitler: se optou por Guerra, é um sinal mais forte do tipo “mal-intencionado”, enquanto que se optou por Acomodar, o sinal é mais forte do tipo “bem-intencionado”.
Jogos Bayesianos: um exemplo atual
De forma bem simplificada, podemos fazer um de-para da situação alemã na escolha de abandonar a produção de energia nuclear em favor do maior uso de gás natural, o que corresponde a uma maior dependência do fornecimento russo de gás, sob às ordens de Vladimir Putin.
No modelo simplificado, existiriam dois tipos de Putin: um “bem intencionado”, que não interromperia o fornecimento de gás conforme vontades políticas, e um “mal intencionado”, que usaria o fornecimento de gás como moeda de troca e instrumento de controle.
A Alemanha desempenha o papel de Chamberlain no modelo, e tem que decidir se aumenta o consumo de gás natural em detrimento da energia nuclear (C) ou não (N).
Depois que a Alemanha tomar sua decisão, é a vez de Putin decidir: se corta o gás (G) ou se mantém o fornecimento do gás (A) para a Europa.
Duas dificuldades aqui:
definir os payoffs em cada situação: além dos valores monetários, existem também os valores humanos que devem ser levados em conta;
As probabilidades subjetivas, quanto aos “tipos” de Putin: aqui, talvez, seja a maior dificuldade desse “jogo”, pois depende da percepção dos governantes quanto à “afabilidade” e “confiabilidade” de Putin.
Para alguns, as chances de ser “bem intencionado” são bem baixas enquanto que, para outros, são altas, dado o histórico de conflitos do governante russo. Além disso, tem aqueles que mesmo não confiando no governante russo, discordam quanto ao impacto que suas ações teriam, dado pela interação entre as probabilidades e os payoffs.
Além disso, poderíamos complicar o jogo, colocando também decisões sobre sanções econômicas e comerciais, por exemplo. Mas a lição aqui é uma só: a probabilidade que atribuímos a um evento e o impacto que o mesmo tem são cruciais para as decisões. Antes dos eventos acontecerem, cada um tem seu chute. Depois que os eventos acontecem e os “sinais” são dados, fica mais fácil contar uma historinha e apontar como era “claro” aquele resultado.
Como disse Hersh Shefrin em um de seus livros: “A realidade parece muito mais óbvia em retrospectiva do que em previsão. As pessoas que experimentam o viés de retrospectiva aplicam erroneamente a retrospectiva atual à previsão passada. Eles percebem que os eventos que ocorreram foram mais previsíveis antes do fato do que realmente era o caso”. Por isso, vale ressaltar: não é porque a realidade faz sentido depois que os eventos ocorreram que você saberia quais decisões tomar antes dos acontecimentos – e não é porque escrevemos e explicamos bem, que depois dessa carta você pode colocar o jaleco de especialista em Teoria dos Jogos rs. Humildade, sempre.
Novas Possibilidades Para Sua Carteira
Para quem busca mais previsibilidade nos retornos em dólar, a Avenue agora permite negociar bonds e outros ativos de renda fixa do mercado americano. Ser o maior, mais complexo e mais dinâmico mercado financeiro do mundo tem o porquê: existe uma infinidade de investimentos que vão além de ações, como ETFs e fundos de renda fixa e bonds corporativos, esse último um mercado que nos EUA só é menor que o mercado imobiliário.
Só não dar bola fora: não é por que é renda fixa que não varia.
Frase da Semana
"É fácil driblar responsabilidades, mas não se pode driblar as consequências de driblar responsabilidades."
Josiah Stamp, economista inglês.
Tópicos de Economia e Mercado
Ladies and Gentleman, Chair Powell is in da house. Acho que vocês não entenderam ainda: não existirá rally global enquanto o Fed assim desejar. E eles não querem isso, ao menos nos próximos meses. As pessoas estão loucamente esperando a eleição acabar para voltar a pensar em Brasil, mas se esquecem que “O pai de todos” ainda está querendo contrair os múltiplos e os lucros no mundo todo. É muito curioso como o mercado já aceitou que Europa e EUA entrarão em recessão para poder combater a inflação alta, mas por algum milagre, o Brasil passará impune, com o maior juro real já verificado nos últimos 15 anos.
Falando em Europa, a turma lá resolveu acordar. BCE mandou logo um 75 bps na cara da turma, mas ainda tem o juros nos míseros 0,75% a.a. que é menos de 1 mês de Selic. Nunca serão! Ser brasileiro é ruim, mas tá bom. Ser Europeu nesse final de ano, por sua vez, vai ser bem ruim. A economia claramente rolando para uma recessão, o Banco Central precisando apertar como nunca, os governos tentando controlar a ladeira com política fiscal e o frio chegando. É para ficar de olho na moeda dos caras, hein? Para quem quer viajar daqui uns anos.
Voltando ao Powell e o Fed, essa semana todos os principais membros do FOMC deram um jeito de aparecer e deixar uma dose de mensagem para o mercado. Não resta muita dúvida que o desejo dos caras é chegar com o juro em pelo menos 4% no final desse ano ou começo do próximo. Felizmente isso não é muito longe do que o mercado já espera, o problema agora é a discussão do “por quanto tempo”, algo muito parecido com o que temos aqui no Brasil
Ah, claro, só para não deixar passar, tem a rainha. O estagiário essa semana me apresentou uma expressão nova: a Elizabeth “foi de base”. Sabe o que isso quer dizer para o mercado e para você? Isso mesmo, nada. Mas pelo menos te incentiva a assistir The Crown, é uma boa série.
Bom, falando de China, o que é novo não é bom e o que é bom não é novo. De novo, resolveram estender vários lockdowns e colocar novas cidades com limitação de mobilidade. De bom, algumas cidades voltarão a retomar projetos imobiliários pausados, algo que não é exatamente novidade e nem suficiente para a retomada do setor, mas é de fato um primeiro passo. O delta aqui importa. Claro, o analista brasileiro continua no seu wishful thiking de que a China vai reviver rapidamente, mas o mercado pune.
Indo para Brasil, nada de novo. Estamos na base de eleição e está tudo um porre. Felizmente continuamos sendo destaque do mundo e não deve mudar. Está tudo tão ruim lá fora que até nós conseguimos chamar atenção por sermos tão baratos. Claro, ninguém sabe muito bem quando será o momento para a curva de juros e os ativos de maior risco, mas a bem da verdade, está todo mundo meio que a postos para raspar. Quem raspou antes prefere ficar perto da porta para sair. Felizmente o juro básico está elevado e pegando muito bem para esperar. Não tenha pressa, investidor.
Perfeito !
Maravilhoso!