Todo mundo só fala disso: do rombo nas Lojas Americanas, que inicialmente era de RS 20 bilhões e agora já está na casa dos R$ 40 bilhões. Que loucura, meus amigos.
As redes sociais foram rápidas apontar os dedos e fazer previsões em qual varejista será a próxima a ruir. Inflação, problemas de caixa, dificuldades de financiamento, concorrência com o digital…. Mas será só isso?
Histórico: O Conto das Primas M
De fato, o ciclo de vida da varejistas não tem lá um histórico animados. Quando falamos em grandes varejistas que já não existem mais, os nomes “Mesbla” e “Mappin” vêm à mente das gerações mais velhas. Mesbla, uma junção de Mestre & Blatgé, foi uma filial de uma varejista francesa, instalada primeiramente na cidade do Rio de Janeiro em 1912 e que com o tempo ganhou vida própria e se espalhou por diversas regiões do país.
Uma prima da Mesbla foi a Mappin, que também tem origem no velho continente (os europeus adoram lojas de departamento), e que aqui no Brasil também cresceu e obteve vida própria. Embora com menos pontos de comércio no Brasil do que a Mesbla, Mappin tinha fortes receitas, vindas de suas bases no estado mais rico do Brasil, São Paulo.
Panfleto de vendas da Mesbla
As duas empresas iniciaram suas atividades nos anos 10 do século passado, e enfrentaram os altos e baixos da economia brasileira: falta de insumos devido à parada industrial na Europa em Guerra Mundial, o processo de substituição de importações que acabou por dar origem a grandes empresas de bens primários e intermediários (com CSN, Vale e Gerdau), os subsequentes anos de hiperinflação dos anos 70 e 80 e abertura comercial promovida pelo governo Collor.
Membros da geração baby boom, os funcionários dessas empresas vestiam a camisa, sendo comum muitos se aposentarem após década de trabalho: os próprios funcionários da Mesbla afirmavam orgulhosamente que “a Mesbla só não vende caixões funerários, que são para os mortos; para os vivos temos todas as mercadoria”. Um case de estudo.
No final da década de 90, as duas empresas iam de mal a pior: a Mesbla fazia demissões em massa após prejuízos que colocavam em risco a saúde e a sobrevivência da empresa, sendo adquirida em 1996 pelo empresário Ricardo Mansur. Em 1997 o Mappin pede concordata e em seguida Mansur também adquire a empresa em apuros.
Do lado da Mesbla, citam os gastos corporativos altos e a má gestão de estoques. Do lado da Mappin, investimentos mal calculados. Para ambas, a concorrência acirrada com as novas varejistas que entravam no setor, muitas vindas do exterior e que contavam com financiamento externo.
Sede da Mappin, no centro de São Paulo
Nunca se chegou a um consenso sobre o motivo da derrocada das gigantes do varejo que conquistaram o coração dos brasileiros. Mas o empresário Ricardo Mansur que resolveu apostar no carinho que o brasileiro tinha pelas marcas e na potência do varejo brasileiro e comprou o controle das empresas. Mansur era um experiente empresário de private equity, acostumado a reestruturar empresas que iam mal das pernas.
A Mesbla e o Mappin, porém, deram uma rasteira no empresário: dívidas maiores do que as reportadas, dificuldade de financiamento e dívidas com fornecedores e funcionários. Em 1999, foi pedida falência. Sobre a venda da massa falida, o interventor à época disse: "Há uma empresa americana e outra européia com interesse no negócio [“…] Mas com a contabilidade do jeito que está eu não tenho coragem de chamá-los para ver os números."
A Contabilidade e o Varejo
Não foi só na Mesbla/Mappin que a conta se mostrou maior do que o esperado: o rombo de R$ 20 bilhões nas Americanas no meio da semana alcançou R$ 40 bilhões na sexta-feira. O rombo diz respeito à forma como eram tratadas as despesas financeiras.
Funciona assim: toda empresa varejista, no Brasil, funciona com um descasamento de caixa. No geral, paga à vista seus fornecedores (a fim de obter desconto adicional às compras em grande quantidade) e vende parcelado — afinal, o Brasil é o país do carnê de pagamentos e o brasileiro não quer saber quanto custa, mas sim “em quantas parcelas faz”, como já disse grande filósofo moderno, Gusttavo Lima. Isso sem contar a gestão de estoque, o custo de manutenção de pontos de venda física, o sinistro com roubos de mercadoria, etc.
Nesse meio tempo entre pagar fornecedores à vista e vender a prazo, muitas coisas acontecem: primeiro a inflação e segundo, as dívidas e os juros. Definir o preço e as parcelas de um produto é uma arte: além de contemplar o valor do bem a ser parcelado e a margem que a empresa deseja obter, também deve-se contemplar a inflação (afinal, uma geladeira comprada hoje tem preço diferente de uma geladeira comprada daqui a 2 anos), o custo de oportunidade (que são os juros que a empresa porventura pagou no empréstimo para comprar o produto à vista), a probabilidade de que o consumidor dê calote e pare de pagar o bem, e por aí vai. Saber calcular tudo isso é uma arte.
Em um país com um histórico inflacionário como o Brasil, a inflação é um calcanhar de Aquiles desse setor: lembrando que a inflação é uma média ponderada de vários bens da economia, quando restringe-se por setores (e até mesmo por bens), podemos ter um número bem maior que oficial. Colocado de uma forma simples: se uma varejista compra do fornecedor uma geladeira por R$1000,00 e vende o produto em 12 parcelas de 100 reais (admitindo que o produto nem fique em estoque), se soma desses custos todos ultrapassarem 20% ao ano (o que, por vezes, ultrapassa – ainda mais se forem produtos importados e suscetíveis aos choques de câmbio e o custo de financiamento em 2 dígitos), a empresa teria ficado melhor se não tivesse vendido o bem.
Por isso mesmo, o mais comum não é as empresas pagarem do próprio bolso essa compra à vista com fornecedores: no geral, elas tomam empréstimo para fazer seu estoque. E foi nessa brincadeira que o rombo nas Americanas surgiu: a empresa lançou esse passivo financeiro de “financiamentos” como “dívidas com fornecedores”, um lançamento operacional. Dali, outros lançamentos contábeis surgiram e estão sendo questionados pelo mercado.
Como esse caso vai se desenrolar – e como pode respingar em outras varejistas – nós deixamos com os especialistas. Mas as últimas apontam que os maiores sócios da empresa, Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, já sinalizaram que vão capitalizar a empresa. E para os investidores de varejistas, fica a lição: contabilidade pode parecer chata, mas é imprescindível para fazer bons investimentos.
Desce o rivotril litrão e uma conta na Avenue pra diversificar o risco-Brasil da carteira de investimentos: na Avenue acesso é simples ao maior e mais completo mercado financeiro do mundo é simples, e além dos tradicionais ativos de renda variável (como ações e ETFs de bolsa), também é possível investir em bonds, fundos de investimentos e ETFs de renda fixa. Choque político, surpresa contábil, volatilidade alta… Mercado brasileiro é como o grande filósofo Chicó apontou: “essa agonia de ficar rico, ficar pobre, ficar rico, ficar pobre”.
Frase da semana
No Brasil, até o passado é incerto
- Pedro Malan
Economia e Mercado
Semana com pouca emoção, né? Parece que estamos no dia 48 de dezembro de 2022, o ano que nunca acabou.
Nos EUA, o Fed continua flatulando na farofa e deixando o mercado correr livremente. Há pouco esforço para defender o próprio call de juros altos por mais tempo, sobretudo depois de dados de inflação mais leves como vimos na semana. Ou a pior parte do pesadelo ficou para trás ou o Fed vai acabar tendo que abrir de novo a caixa de ferramentas e marretar o mercado. Nesse momento, o macaco que está no galho certo, não vai cair. E você ai perdendo tempo preocupado com varejista brasileira que não vale US$ 4 bilhões.
Na Europa o inverno está quente e nada de novo acontece. Mercado chato, de um continente de pessoas chatas e dívida pública gigante.
Já na China, a reabertura está a todo vapor e a chinesada agora pode viajar o mundo com a abertura das fronteiras. A turma está indo para tudo quanto é lado se vacinar, o que é bom para o processo de imunização. A economia vai crescer rápido esse ano e é um foguete que o mercado não vai deixar passar. Ninguém sabe exatamente como essa demanda reprimida vai se comportar após tantos anos trancada, mas pode deslocar a demanda global por bens e por turismo. Se preparem.
Já no Brasil, toda emoção é pouca. A verdade é que ninguém entendeu direito ainda o tamanho do problema com a varejista, mas esse problema é mais midiático do que relevante para o mercado de verdade. O setor é uma agulha no palheiro no mercado e de pouca relevância. O problema maior está em Brasília e o plano lunático de ajuste fiscal que foi apresentado, de difícil implementação e mensuração, que podemos tomar menos da metade a valor de face. Sem a presença do presidente na apresentação, fica ainda pior a situação. Nosso ministro da Fazenda é basicamente um poste e dificilmente deve durar os 4 anos. A emoção só começou.
Quero ver o mercado defender os 3G
Sensacional