A repórter vira e pergunta “Alguns dos conselheiros do presidente eleito [Donald Trump] sugeriram que você deveria renunciar se ele pedisse para você sair. Você iria?”, no que ele é enfático: “Não”. Ela ainda tenta mais um pouco: “Você acompanha isso? Você acha que legalmente não é obrigado a sair?”, mas ele parece inabalável: “Não”. Outro repórter tenta mais uma provocação e questiona: “Você acredita que o presidente tem o poder de demitir ou rebaixar você?”. Ele dá um corte seco: “A lei não permite isso”.
“Ele”, no caso, é Jerome Powell, o presidente do Fed (o banco central americano) e uma das pedras no sapato no recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A equipe de Trump anda tentando fritar Powell nos bastidores e há tempos queriam outro nome para a presidência do Fed. Mas Powell segue convicto em não arredar o pé da presidência da instituição, na qual tem mandato para presidência até maio de 2026.
A ironia do destino é que foi o próprio Trump quem indicou Powell ao seu cargo atual, em 2018. No meio disso, porém, veio uma pandemia global e Trump começou a se estranhar com Powell acerca da condução da política monetária dos EUA. Nesse ínterim, veio Biden e reconduziu Powell para seu segundo mandato. E agora, Trump de novo.
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No primeiro mandato, as rusgas entre Trump e Powell eram sobre o nível dos juros. Trump achava que estavam altos demais e que isto estava prejudicando a economia americana deslanchar. Depois que os mercados despencaram no início da pandemia em março de 2020, Trump disse aos repórteres que tinha o "direito de remover [Powell] como presidente", acrescentando que "ele, até agora, tomou muitas decisões ruins, na minha opinião". Mais recentemente, Trump também disse que a presidência do Fed está entre os empregos mais fáceis do governo. "Você aparece no escritório uma vez por mês e diz: 'Vamos jogar uma moeda', e todo mundo fala sobre você como se você fosse um deus", disse Trump há algumas semanas.
Aparentemente, Trump “vai ter que engolir” Powell: se não tirar nenhuma manobra jurídica da cartola, Powell fica mesmo até 2026. Até lá, o novo presidente americano vai ter suas manobras relacionadas à economia restringidas pela batuta de Powell, num cenário à la banco central independente como mostram os livros-textos.
Mas, quer saber? Isso não parece ser muito ruim – para Trump e para a economia. Isso porque Jerome Powell está caminhando para ser um dos melhores presidentes do banco central americano, segundo os especialistas. Isso porque sob sua batuta o Fed conseguiu trazer a inflação americana de um pico de mais de 9%a.a. (embora um número usual para os brasileiros, nos EUA a inflação saltou de 0,2%a.a. em maio de 2020 para 9,1%a.a. em junho de 2022) para bem próximo à banda da meta de inflação sem causar desemprego – ou seja, está conseguindo o “soft landing” .
Fonte: Statista
Nenhum presidente nem banqueiro central gostam de inflação alta: os preços no mercado sobem, as pessoas ficam descontentes, os produtores ficam com margens comprimidas e repassam os custos. Daí vem a famosa “Curva de Phillips”, que aponta que inflação para cima significa desemprego para baixo e vice-versa.
Segundo essa teoria, Powell só conseguiria colocar inflação para baixo se aumentasse o desemprego através da elevação dos juros, gerando o tal do “hard landing” – lembrando que a taxa de juros é o remédio que “cura” a inflação. Foi isso que aconteceu, por exemplo, na gestão de Paul Volcker à frente do BC americano. Volcker foi presidente do Fed entre 1979 e 1987, sendo famoso por "quebrar a espinha dorsal" da inflação no início dos anos 1980 ao aumentar as taxas para até 19%. Ele matou a inflação, mas a um custo alto: a taxa de desemprego disparou para 11% – a mais alta desde 1940 até a pandemia da COVID, enquanto a desigualdade explodiu.
Mas e o nosso “mago”, Jay Powell? Sob a batuta de Powell, a inflação americana está convergindo para a meta sem que nenhum dano significativo tenha sido feito ao emprego dos americanos. Na verdade, a taxa de desemprego tem se mantido ao redor dos 4% desde o início de 2022, enquanto a inflação caiu case 7 pontos percentuais no período.
Fonte: Statista
A explicação para isso são muitas e, ao mesmo tempo, poucas. Não existe um consenso claro sobre o que pode ter ocorrido para a Curva de Phillips não ter dado as caras e Jerome Powell estar quase pousando a “nave” da economia americana para a meta de inflação. Mas, de qualquer forma, essa performance deu a coragem para Powell declarar seu dia do fico.
Sorte a nossa.
Sou um grande admirador do Trump e acredito que seu retorno a casa branca é extremamente benéfico aos EUA. Buuuuut, esse tipo de postura dele brocha qualquer um. Powel tem feito um excelente trabalho. essas falas dele parecem com as falas do nosso infeliz presidente da republica com relação ao presidente do Bacen. Posso falar? Mais uma baita Carta! tks.
Nao existe essa historia de Fed independente se nao tem receita propria. Que Trump feche o Fed