Camisa social com monograma, calça na estica e um sapato lustroso, o Baby Boomer está que é só alegria. É a festa de despedida do escritório, chegou o dia que esperou por décadas: o dia da sua aposentadoria. Passa um filme lembrando-se de como chegou ali: de office boy, aos 14 anos, passou aos cargos de analista, gerência até a diretoria executiva do bancão.
“Quem imaginaria que aquele moleque magrelo da Osasco ia chegar tão longe, hein? Mas chegou e hoje é dia de comemorar”. Além do esforço e dedicação despendidos a vida toda, o ambiente também ajudou: o bancão é tradicionalmente conhecido por privilegiar funcionários de carreira, forma os atendentes de agência para que sejam as lideranças do futuro.
Não teve como: depois de uma cervejinha (sempre se polícia muito pra manter a imagem de sério, evitava beber nos eventos da empresa), ficou emocionado e as lágrimas vieram, os abraços e declarações começaram a sair.
Decidiu se recompor e foi ao banheiro. Na fila, encontra um molecote magrelo e alto, camisa dobrada e colocada de qualquer jeito pra dentro da calça. O brilho da calça não engana: é das calças sociais mais baratas, típico das lojas Colomba.
O molecote está fazendo uma chamada de vídeo, parece que está no bar para comemorar, ouve o Baby Boomer. Mais alguns segundos e identifica que se trata da comemoração do primeiro estágio do garoto. O Boomer não resiste e puxa papo
Baby Boomer: Você chegando e eu saindo.
Gen-Z: Como assim, tio?
BB: Minha festa de aposentadoria hoje, você tava falando alto e acabei ouvindo que é sua comemoração de primeiro estágio.
GZ: Pô, maneiro. Prazer, meu nome é Geração Z. Tô animadão.
BB: É pra estar mesmo. Vai pra qual área?
GZ: Análise de crédito e o senhor?
BB: Sou.. quer dizer, estou me aposentando como diretor executivo de crédito.
GZ: Que maneiro hein mein, coincidência, sé loko... Dá uma dicas aí.
BB: Primeiro de tudo eu vou falar pra você jogar fora esse pendrive que está fumando, isso vai diminuir sua vida útil no mercado em pelo menos 5 anos.
GZ: É, eu sei. Mas só uso de vez em quando.
BB: Tenho um gerente que fuma essa porcaria o dia todo, o Millennial. Falando em Millennial, esse cara me dá um trabalho, viu? Reclama toda hora que está desmotivado, que não tem encontrado propósito no trabalho,
GZ: É, Millenial é meio chatão mesmo. Fica o dia todo contando história do filho, mas o filho é um shit-zu de 3 anos. Quando não é pet, é crossfit ou planta que passa o dia falando. Fora que fica tentando me convencer a compra uma airfryer.
BB: Trabalho é pra ganhar dinheiro, viver você vive fora do trabalho, esqueça esse negócio de motivação e grandes propósitos no trabalho. Foque em procurar um emprego estável, faça uma poupança, progrida na carreira e se aposente no mesmo local que eu, seu FGTS será gordo. Mas.. falando em Millenial, de onde o conhece?
GZ: É da minha faculdade, de vez em quando cola nos jogos da faculdade. Maior tiozão.
BB: E é seu primeiro estágio?
GZ: É sim. Te falar a verdade, eu queria mesmo trabalhar com digital, tentei dropshipping, tráfego pago… Depois comecei eu mesmo a produzir conteúdo no TikTok, falar dos meus investimentos NFT porque comprei umas aí. Mas meus pais me obrigaram a procurar um emprego “de verdade” nas palavras deles, daí descolei esse estágio aqui. Meu sonho mesmo é ser empreendedor, trabalhar de onde eu quiser e fazer o meu horário.
BB: Imagina, que absurdo! Não tem nada melhor do que trabalhar das 9 às 18, trabalhar todo mundo no presencial faz o trabalho render muito mais... E outra, saiu do trabalho o problema acabou, depois só no outro dia. Mas… seus investimentos são em NFT, garoto? Não tem uma renda fixa, um dólar pelo menos?
GZ: Eram né? As NFT deram uma baixada, daí to holdando esperando melhorar. O Millenial falou pra eu comprar umas ações e uns fundos multimercados, mas eu acho muito arriscado, sabe?
BB: Meu filho, esse é o país do juros, invista em renda fixa pelo menos…Mas antes disso, vou te dar mais uma dica: se quer subir na carreira, guarde esse celular.
GZ: Como assim?
BB: Você não consegue ficar três segundos sem mexer no celular enquanto fala com outro ser humano. Não passa credibilidade assim.
GZ: Ih, foi mal!
BB: Vocês, Geração Z, tem a capacidade de atenção de uma noz. Mas me diga uma coisa, quais são suas pretensões nesse estágio?
GZ: Ah, sei lá né mein. Quero aprender, enfrentar novos desafios, estar junto de profissionais qualificados…
BB: Isso não é uma entrevista de emprego, é uma pergunta sincera.
GZ: Hahaha. Tô aqui porque tentei empreender e não deu certo, fiquei sem grana com as NFTs e meus pais me obrigaram a procurar um emprego de carteira assinada. É isso. Mas tá suave. Se fosse o Millenial tava fazendo textão no Twitter e entrando em crise existencial. Tô aqui pra começar esse emprego e pá, vou ganhar bem, tem VR, conhecer uma galera pica. Fora que é na área de crédito, vou entender mais desse mundo. Vai que no futuro eu abro uma startup, né?
BB: Estranho, essa geração de vocês pensa em empreender. Quase ninguém mais quer fazer concurso público ou ser funcionário de carreira. Sinais dos tempos.
GZ: Como assim?
BB: Veja bem, eu nasci em um período de crescimento do Brasil, mas logo após vieram anos de hiperinflação, você nem faz ideia do que é isso. Recebia o salário de manhã e tinha que sair correndo para o mercado fazer as compras do mês, porque se esperasse o final do dia ou o outro dia, os preços já haviam subido e dinheiro que recebeu comprava menos coisas. Tempos difíceis. Além da inflação, muito negócio quebrava, desemprego… Então todo mundo queria um emprego estável, sonho de consumo era um cargo público. Não tinha essa coisa de vocês, de sair do emprego para viajar pelo mundo à procura do propósito. O propósito era botar comida na mesa e comprar o que as crianças precisavam, porque nós tínhamos filhos cedo, começamos a vida cedo. A geração de vocês é um eterno Peter Pan, não quer crescer.
GZ: Uau, mas calma lá: eu tô chegando agora, acho que você está falando do Millennial. Eles que vivem em crise existencial e em busca do propósito. Eu só quero liberdade mesmo. Curto tecnologia, quero criar uma empresa que usa tecnologia e melhore a vida das pessoas, só isso.
BB: Tá vendo. Vocês nem chegam e já querem sentar na janelinha, mudar o mundo sendo que nem arrumam a cama.
GZ: Você é mal-humorado, hein meinzinho..
BB: Não é isso, é que vocês não querem nada com nada. Não querem carreira, não querem ter um carro seu, um apartamento. Único bem material que querem ter é um celular de 10 mil reais, de resto vivem de pedir uber, alugar apartamento…
GZ: Ah, sabe como que é né. Liberdade.
BB: Sei, liberdade até a inflação subir e o custo de vida aumentar. Daí quero ver. Vocês não se preocupam com isso não?
GZ: Olha, mein, pra te falar bem a verdade, o que me preocupa mesmo é o aquecimento global, a subida do nível dos mares. Também me preocupo com um consumo consciente… Eu não preciso ser milionário, não. Só quero o suficiente para pagar as contas, sair no final de semana e curtir com a galera, viajar…
BB: Bem, ao menos temos algo em comum.
GZ: Mesmo? O que?
BB: Viajar. Adoro viajar, mal posso esperar por aqueles 15 dias de férias. Aprenda desde já: são 30 dias de férias no ano. O ideal é quebrar em 5, 10 e 15 dias. Coloque as férias de 5 dias em um feriado prolongado e você pode ficar até 11 dias de férias se seu chefe for maneiro.
GZ: Pô, maneiro hein. Bom saber. Vou juntar a grana do estágio pra conhecer a Ásia, tô louco pra conhecer a Coréia do Sul.
BB: Coréia do Sul? Exótico…
GZ: É mein. Seul é maneiro, fiquei ligadasso depois de um dorama que assisti na Netflix. Minha namorada curte BTS, então vou usar meu salário e bônus do primeiro ano pra conhecer a Coréia do Sul.
BB: Dorama? O que é BTS? Tudo errado, tudo errado… Seu primeiro bônus você deve gastar muito pouco, ideal é economizar pra comprar seu primeiro apartamento, ajudar seus pais com alguma dívida que eles tenham… E outra: viajar tem que ser pros States né? Amo Miami, Orlando…
GZ: Estados Unidos já fui bastante, fiz intercâmbio pra lá. Tô querendo conhecer novas culturas.
BB: Tá afim de novas culturas? Então espera só esse estágio começar que você vai conhecer a cultura do mercado financeiro, isso sim vai ser uma nova cultura (risos). Só não pode pedir penico antes de um ano, hein?
GZ: Como assim?
BB: Disfarça que o mala do Millenial tá chegando.
GZ: Pode crer, vou vazar também.
BB: Foi um prazer conhecê-lo. Seja bem-vindo à essa selva chamada mercado financeiro!
Baby Boomer e Gen-Z saem apressados, fugindo do Millennial (ao menos uma coisa em comum entre as gerações que está saindo e a que está entrando no mercado: ambas acham o Millenial um mala).
Quem concorda com um pouco das três gerações é sem personalidade ou equilibrado?