Você foi lá, leu todos os relatórios sobre a bolsa e sobre as perspectivas futuras, fez curso de investimentos, analisou o balanço das empresas e a seguiu o que os especialistas falam: comprou um pouco de ação de cada setor econômico da bolsa e fez uma carteira de investimentos diversificada.
Foi além: leu a nossa Carta do Condado da semana passada e ficou sabendo que girar demais a carteira pode comprometer seus ganhos e foi super diligente: decidiu por não trocar suas posições de investimentos e investir “no longo prazo”. Sempre que sobrava dinheiro, aportava no mesmo grupo de ações e nas mesmas proporções sempre.
Meses depois, ao analisar os rendimentos, uma coisa estranha parecia ocorrer: quase sempre eram as mesmas ações que davam um retorno positivo e interessante, enquanto algumas outras iam mal – mas estas últimas você não esquentava tanto a cabeça, pois o foco sempre foi no longo prazo.
Os meses foram passando e esse fenômeno se repetia, e sua certeza sobre a composição “certa” da carteira começava a ser posta a prova.
Um contrassenso?
O caso acima é uma anedota, mas poderia ser também o caso de uma pessoa qualquer que investiu em um mercado acionário qualquer ao redor do mundo: o curioso caso das poucas ações que explicam grande parte dos retornos das bolsas da valores ao redor do mundo.
Isso mesmo: de acordo com um estudo produzido por Hendrik Bessembinder, Te-Feng Chen, Goeun Choi e K.C. John Wei, ao analisar o retorno das bolsas de valores de 42 países ao redor do globo – o que correspondeu a mais de 64 mil ações ordinárias – durante o período de janeiro de 1990 a dezembro de 2020, um fenômeno interessante ocorreu em todos os mercados analisados: apenas uma pequena parte das ações listadas na bolsa explicavam grande parte do retorno do índice local de ações.
E, mais que isso: mais da metade das ações listadas na bolsa local (fosse nos EUA ou em outro país da amostra) tinham um retorno em dólar pior que títulos de renda fixa americana.
Em termos globais, os autores descobriram que, do total das empresas listadas, apenas 2,4% das empresas com melhor desempenho respondem pela totalidade dos US$ 75,7 trilhões da riqueza líquida gerada no mercado de ações global entre 1990 e 2020.
Não tão contrassenso assim
O estudo não contradiz a evidência de que um índice de ações amplo supera a renda fixa: em todos os casos foi apontado como o retorno de uma estratégia buy-and-hold.
Mas o que o estudo aponta é que: a performance dos índice de ações é explicado por um pequeno número de ações – ou seja, há poucas ações rendendo muito e muitas ações rendendo pouco. Nos termos de mercado: há uma assimetria na distribuição dos retornos, e isso é um fenômeno global..
Embora muito trabalhoso, o estudo foi relativamente simples: grosso modo, os autores pegaram todas as ações pagadores de dividendos em 42 países (o que corresponde a aproximadamente 88% do market cap global em ações) no período mais longo possível (desde janeiro de 1990) e calcularam o retorno mensal acumulado em dólares das ações.
Além disso, utilizaram retorno mensal acumulado, ao invés de médias aritméticas, e reinvestimento de dividendos sempre que necessário. Já a conversão dos retornos para dólar foi para deixar as bases comparáveis e excluir possíveis efeitos inflacionários.
O resultado encontrado foi o seguinte: calculado os retornos para o período todo (jan/1990 a dez/2020), globalmente, das mais de 64 mil ações analisadas, 48,2% delas tiveram retorno positivo acumulado no período (excluindo os EUA, esse número é de 47,7%).
Além disso, dessas mais de 64 mil ações, 43,2% do total tiveram um retorno maior que a renda fixa americana (isto é, seu prêmio de risco foi positivo).
No Brasil. por exemplo, foram analisadas 395 ações, que entregaram um retorno acumulado de 377,45% no período. A mediana dos retornos foi muito abaixo disso: 3,8% no período.
E isso é aparente quando analisamos o percentual das ações que tiveram retorno acumulado positivo: 51,4%, pouco mais da metade das 395. Já as ações que tiveram um prêmio de risco positivo foi de 49,1%.
Comparando com o mercado americano, foram analisadas 17.776 ações, que conjuntamente entregaram um retorno acumulado de 487,97% no período, com mediana de retornos -2,15% (surpreendente? Não tanto: apenas olhe para o número de ações listadas por lá versus aqui e lembre-se da maior facilidade em entrar e sair do mercado de ações por lá).
Quando decompomos o resultado total, temos que 49,5% das ações no período tiveram retorno positivo, com 44,8% pagando um prêmio de risco positivo.
Fonte: Bessembinder, Chen, Choi e Wei (2023)
Os autores também realizaram as mesmas análises para janelas mais curtas: mensais, anuais e em décadas.
Em todas as análises o fenômeno da assimetria de retornos foi encontrada, com o adendo de que quanto maior a janela de dados, maior a assimetria nos resultados.
Eventos “uma-vez-na-vida-outra-na-morte”?
O fato de que a maioria das ações negociadas publicamente tem um desempenho inferior aos títulos do Tesouro Americano, mesmo quando os mercados de ações em conjunto aumentaram a riqueza dos acionistas em muitos trilhões de dólares no período, é atribuível à forte assimetria positiva nos retornos compostos das ações.
Essa assimetria positiva é atribuível, por sua vez, tanto à assimetria na distribuição dos retornos mensais das ações quanto aos efeitos da composição temporal.
Por isso, além de analisar globalmente e por país, o estudo também destrinchou quais os papéis levaram a esses números.
Os autores, então, ao invés de ranquear o fechado por país, ranquearam as mais de 64 mil ações do mundo todo por criação de riqueza (“riqueza bruta” se refere à soma da criação de riqueza entre as empresas com resultados positivos e “riqueza líquida” à soma entre todas as empresas) e o resultado foi o seguinte: a criação de riqueza no mercado de ações é altamente concentrada; apenas cinco empresas (Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet e Tencent) respondem por 10,3% dos US$ 75,66 trilhões em criação de riqueza líquida no mercado global de ações da amostra.
As 0,25% melhores empresas em desempenho representaram metade da criação líquida global de riqueza e as 2,39% melhores empresas com melhor desempenho representaram toda a criação líquida global de riqueza.
Fonte: Bessembinder, Chen, Choi e Wei (2023)
Das 50 ações com maior criação de riqueza no período, a maioria eram de tecnologia e/ou americanas. Conforme observado na tabela, a Apple criou US$ 2,67 trilhões em riqueza no mercado de ações durante a amostra de janeiro de 1990 a dezembro de 2020. Assim, a Apple sozinha foi responsável por 3,53% dos US$ 75,66 trilhões em criação líquida de riqueza global e 2,74% dos US$ 97,75 trilhões em criação bruta de riqueza global.
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As cinco principais empresas (Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon e Tencent), que compreendem 0,008% das 63.785 empresas da amostra, foram responsáveis por 10,34% da criação de riqueza líquida global e 8,00% da criação de riqueza bruta global. As 20 maiores empresas (0,031% das empresas da amostra) foram responsáveis por 19,86% da criação de riqueza líquida global e 15,38% da criação de riqueza bruta global.
As 50 maiores empresas (0,078% das empresas da amostra) foram responsáveis por 30,87% da criação de riqueza líquida global e 23,89% da criação de riqueza bruta global.
A concentração da criação de riqueza em relativamente poucas empresas seria atribuível a várias explicações potencialmente ligadas, incluindo variação no tamanho da empresa, variação no número de meses em que as ações estão presentes no banco de dados, e a já mencionada assimetria positiva nos retornos compostos , bem como resultados puramente aleatórios.
Este último, inclusive, é um dos grandes caveats do trabalho: para fazer uma análise entre diversos países, a maior janela de dados encontrada foi a partir de janeiro de 1990 até dezembro de 2020, uma período notoriamente afetado pelo boom das empresas tech.
Dados padronizados para o mercado americano, por exemplo, existem desde 1926 – e embora a assimetria de resultados também seja encontrada, ela é bem menor do que os reportados neste estudo.
Além disso, alguns fatos estilizados, como os “twitter investors” e os cheques que o governo americano mandou aos seus cidadãos durante a pandemia podem explicar a performance de papéis com Tesla.
Por fim, o estudo responde uma questão que pode ser facilmente levantada: investir passivamente no índice ou procurar ativamente pelas ações que dirigiram os resultados no período. Os resultados mostram que a riqueza criada pelo investimento no mercado de ações é em grande parte atribuível a grandes resultados positivos para um número relativamente pequeno de ações.
Para os investidores sem uma vantagem comparativa na identificação das poucas ações que criarão mais riqueza (ou na seleção de um gestor com capacidade de fazê-lo) e sem uma preferência substancial pela assimetria positiva, os resultados reforçam a conveniência de investir em uma ampla índice passivo.
Por outro lado, para investidores com uma preferência suficientemente forte por assimetria positiva ou para os (presumivelmente poucos) investidores com a vantagem comparativa apropriada na identificação de ações prontas para entregar retornos de longo prazo exagerados, os resultados destacam o grau em que a seleção de ações bem-sucedida pode aumentar a riqueza.
Frase da Semana
A história julga só os resultados, e não os propósitos.
Gregorio Maranon, escritor espanhol
Economia e Mercado
Semana para testar o folego de todo mundo. Tinha tudo para animar os fanáticos pelo corte de juros, com dados mais fracos de inflação nos EUA e também de vendas no varejo. Por outro lado, o mercado resolveu perceber que a crise de crédito deu uma estabilizada, com estabilização dos saques e inclusive aumento dos empréstimos na última semana. Os bancos não estão mais correndo para o Fed, inclusive reduzindo a demanda por liquidez, e os membros do comitê ainda falam abertamente em um cenário de ajuste de juros e sem cortes no ano. Para completar, o JPM ainda vem com um resultado bem melhor que o esperado e um guidance bem mais construtivo. Muita vol e muito risco, é isso que teremos daqui para frente. Claro, você está mais preocupado com o IPCA e com o arcabouço fiscal, enquanto o que ainda importa é o que o formador da curva de juros global vai fazer;
Na China os mercados ainda percebem o quão forte pode ser a recuperação, com dados de crédito e de importação surpreendendo positivamente e deixando uma grande expectativa para os resultados do 1T23 que serão apresentados na próxima semana. Isso quer dizer que o cenário de Brasil está garantindo? talvez para o agro sim, agora para a parte metálica ainda há muita dúvida. O setor de real estate ainda está mais ou menos, e o governo impôs limites na produção de aço, afetando bem as expectativas de minério de ferro para maio. É preciso olhar nos detalhes.
Já no Brasil, realmente tivemos um IPCA melhor que o esperado, mas os membros do COPOM aproveitaram para sinalizar em Washington para não se animar com cortes na próxima reunião e que não há relação mecânica entre apresentação de arcabouço e redução de juros. Com o governo voltando da China o mercado volta a fazer conta e pressionar por parâmetros mais realistas.
Após um pseudo-rally nesta semana, vou transcrever um post do twitter que acabou sendo alvo de amor e ódio, mas que vale o comentário:
Deixa só ver se entendi uma coisa: 1) o mundo está rumando a uma recessão, que até o Fed incorporou ontem e disse que não vai cortar juros, 2) a economia brasileira também está indo na mesma direção, 3) temos um arcabouço fiscal que não é Venezuela, mas que está anos-luz de distância do que o governo acha que vai entregar, 4) e deve ser testado no meio da recessão, 5) e vocês tão aí comemorando bolsa abaixo de 110k e Real ganhando força com os pares? Acabou a crise tudo pq o BC pode cortar juros em agosto e permanecer em 2 dígitos por algum tempo? Entendi, tá bom. A surpresa não é fruto do acaso, ela é construída pela ilusão.
Parabéns pelo texto ! Tudo bem que eu posso ser classificado como um "zero à esquerda" em termos de investimento, mas tento aprender cada dia um pouquinho mais, e a Carta do Condado sempre ajuda muito.
Excelente análise. Parabéns. também acho difícil vencer o Índice, de qualquer Bolsa. Ocorre hoje um prazo muito curto entre compra e venda para boa parte das ações, principalmente nos EUA= aumento de volatilidade. Esta observação foi obtida empiricamente. Não conheço estudos que analisam estes ciclos (diários ou semanais). Vocês têm?